domingo, 18 de maio de 2008

Classificação do romance

1. O conceito de romance histórico

De acordo com a «definição actual» de romance histórico, este terá tido início no século XIX, com o Romantismo, período literário que valorizava imenso o passado histórico. Romances anteriores, como o Princesse de Clives, da autoria de Madame de Lafayette, não cabem nesta classificação, uma vez que não possuem/não possui traços essenciais como a factualidade e o rigor históricos.
Assim, determinados autores consideram que o primeiro romance histórico é Waverley, saído da pena do escritor britânico, natural de Edimburgo, Sir Walter Scott (1771 - 1832), escrito em 1814 e que vem definir as características do género.

1.1. Características do romance histórico

O romance histórico procura a recriação histórica, que passa, entre outras coisas, pela criação de ambientes, traduzidos pela chamada «cor local», obtida através de uma série de recursos:

  • evocação, o mais fiel possível, da linguagem da época e dos diferentes grupos sociais;
  • descrição pormenorizada do vestuário e da indumentária das personagens;
  • reconstituição de espaços (cidades, castelos e monumentos), com especial incidência nos aspectos arquitectónicos;
  • recriação de grandes movimentações das personagens (saraus, torneios, manifestações populares), procurando criar a ilusão de fidelidade ao tempo narrado;
  • a presença de personagens referenciais, ao lado de personagens ficcionais, frequentemente os heróis dos romances históricos, na medida em que proporcionam ao autor maior / total liberdade criativa.

A prossecução dessa fidelidade ao real histórico leva os escriores a socorrerem-se de fontes diversas: «documentos antigos», «velhos livros», «memórias», etc. Exemplificativa deste aturado trabalho de pesquisa é a recente polémica que envolveu o jornalista-escritor Miguel de Sousa Tavares e o seu penúltimo romance - Equador -, acusado de plagiar obras estrangeiras, ao incluir no seu texto extractos das mesmas.

1.2. O romance histórico português

O primeiro autor português a cultivar uma forma de romance histórico foi Alexandre Herculano (Lendas e Narrativas; O Bobo; Eurico, o Presbítero...), cujos protagonistas eram geralmente personagens medievais profundamente românticas no que diz respeito ao seu comportamento e forma de sentir e estar. No entanto, é visível a sua preocupação com a veracidade nas constantes referências às fontes, pergaminhos ou manuscritos consultadas.

Outro autor foi Camilo Castelo Branco, porém, nas suas obras, a História serve somente como enquadramento a intrigas particulares. As próprias personagens históricas são manipuladas pelo autor de acordo com as suas intenções e objectivos narrativos.

Ainda no século XIX, Eça de Queirós «revolucionou», de certa forma, o conceito de romance histórico, nomeadamente na obra A Ilustre Casa de Ramires, onde colocou uma das personagens na pele de escritor, precisamente, de romances históricos, o que lhe permitiu a explicitação de alguns processo de construção deste tipo de texto.

Nas últimas décadas do século anterior (XX), o romance histórico ganhou novo fôlego, embora, tal como no passado, sujeito a diferentes concepções e abordagens.

1.3. Classificação do Memorial

A discussão em torno da designação do Memorial como romance histórico ou não prossegue. Sendo verdade que a obra transgride algumas das suas «regras» típicas, também é certo que evidencia alguns processos característicos da recriação do passado:

  • a linguagem das personagens;
  • a descrição pormenorizada dos espaços físicos e de determinados ambientes;
  • o relato de episódios que reconstituem acontecimentos históricos;
  • a referência à indumentária das personagens.

Domenico Scarlatti

Scarlatti é o quarto elemento que vem juntar-se ao trio Baltasar, Blimunda e Bartolomeu: à força física de Baltasar, à magia de Blimunda, traduzida na capacidade de recolher vontades, à ciência do padre Bartolomeu de Gusmão, vem unir-se a arte do músico (“Senhor Scarlatti, quando o enfadar o paço, lembre-se deste lugar. Lembrarei, por certo, e se com isso não perturbar o trabalho de Baltasar e Blimunda, trarei para cá um cravo e tocarei para eles e para a passarola, talvez a minha música possa conciliar-se dentro das esferas com esse misterioso elemento…” - pp. 170-171).
Assim sendo, tratando-se do quarto elemento, Scarlatti associa-se ao simbolismo do n.º 4, o número da terra, dos pontos cardeais, das fases da lua, das estações do ano, das etapas da vida humana, representando, portanto, a plenitude, a totalidade. Com efeito, estas quatro personagens remetem para a ideia de deificação do Homem, uma vez que são capazes de se libertar da materialidade.
Por outro lado, a sua música assume grande significado em determinados passos do romance. Por exemplo, é ela que cura Blimunda, permitindo-lhe prosseguir a sua tarefa de recolher as vontades que permitirão o voo da passarola. No entanto, não se infira daqui a constituição de um «quarteto» no que toca ao projecto da passarola, que Scarlatti não segue até ao seu desenlace, visto que apenas assiste à sua partida. Curioso é o facto de o seu cravo repousar, escondido, no fundo de um poço (p. 198), enquanto a passarola permanecerá, longo tempo, escondida na serra de Monte Junto.

Nas palavras de Adelina Moura, «Scarlatti personifica a arte (pp. 162-163) que, aliada ao sonho, permite a cura de Blimunda (pp. 186-187) e possibilita a conclusão e o voo da passarola (p. 173)».

Fumar faz mal...