quarta-feira, 5 de maio de 2010

Contexto (tempo da escrita)

» O panorama que se vivia em Portugal em 1961 não era muito diferente do que é descrito em Felizmente há Luar!.
» O regime político instituído sob a direcção de Salazar e que vigorou em Portugal sem interrupção, embora com alterações de forma e conteúdo, desde 1933 até 1974, apresenta alguns aspectos semelhantes aos regimes ditatoriais instituídos por Benito Mussolini na Itália e por Adolf Hitler na Alemanha.
» O Estado Novo distinguiu-se pelos eu carácter autoritário, nacionalista, corporativo, imperialista, profundamente católico e anti-marxista, que recusava a formação de partidos e que impedia a luta de classes.
» Ao longo dos seus quarenta e dois anos de existência, o Estado Novo criou organizações militares para a defesa e propagação dos seus ideais; controlou o ensino e a cultura e colocou a oposição à mercê de poderosos instrumentos de repressão, como a censura e a polícia política.
» Em 1957, foi assinado, em Roma, o tratado fundador da CEE, tendo surgido, em 1959, a EFTA (Associação Europeia do Comércio Livre), factos que estimularam a oposição à política do Estado Novo de Salazar.
» Em 1958, Humberto Delgado concorreu à Presidência da República pela oposição democrática, tendo sido derrotado, provavelmente por fraude eleitoral.
» Em 1959, D. António Ferreira Gomes, bispo do Porto e feroz opositor do regime salazarista, foi forçado a exilar-se. O número de presos políticos aumentou significativamente até 1960.
» Em 1961, iniciou-se a guerra colonial, assistindo-se à mobilização de milhares de jovens e ao exílio de outros. Em Maio, os sessenta e dois subscritores do Programa para a Democratização (liberais e homens da esquerda socialista e comunista) foram presos pela PIDE.
» Em 1962, ocorreram várias greves estudantis, acompanhadas de forte repressão policial.
» Em 1965, a PIDE assassinou o general Humberto Delgado.
» Em 25 de Abril de 1974, ocorreu uma revolução que derrubou o Estado Novo e pôs fim à ditadura, implantando a democracia e a liberdade, tendo como precedentes:
a) a guerra colonial;
b) o crescente descontentamento popular, pela falta de liberdade, pela opressão, pela miséria, insegurança, delação..., dando origem à formação de grupos clandestinos de oposição ao regime;
c) o descontentamento de determinados círculos militares, nomeadamente «os capitães».

Contexto

Na esteira de Brecht, Sttau Monteiro construiu uma peça a partir de um acontecimento do início do século XIX para, dessa forma, denunciar a situação de ditadura e opressão que se vivia no tempo da escrita da peça (1961). Dito de outra forma, o autor não tenciona prestar uma homenagem aos acontecimentos e às figuras que os protagonizaram em 1817, mas intervir criticamente nos domínios político, social e religioso do princípio dos anos sessenta do século XX. Assim, o século XIX constitui uma metáfora do século XX.

1. Tempo histórico
» A acção da peça decorre no ano de 1817, um período conturbado da nossa História, que precede uma das grandes viragens do país: a Revolução Liberal.
» Nas vésperas dessa revolução, a situação de Portugal era de crise em todos os sectores.
» Crise política:
- as recentes invasões francesas tinham deixado o país num estado deplorável;
- a família real e a corte fugiram para o Brasil por causa das invasões francesas;
- esta atitude real suscitou no povo uma sensação de cobardia e de abandono por parte do rei;
- a sede da Monarquia e a capital do Império foram também transferidas para o Brasil;
- as riquezas do estado eram igualmente canalizadas para o Brasil;
- a administração do reino foi entregue a uma tríade: D. Sousa Coutinho, D. Miguel Pereira Forjaz e o oficial inglês William Beresford;
- o auxílio inglês para reorganizar e comandar o exército português (na resistência aos franceses) - Beresford é o símbolo do domínio britânico em Portugal, detentor dos poderes equivalentes aos de um vice-rei - transformou-se no domínio do aparelho militar, no controlo da regência, domínio esse facilitado pela ausência do rei no Brasil;
- a dependência inglesa agravou igualmente as situações de desigualdade social no país;
- o clima de desconfiança que se fazia sentir estimulava as ideias de conspiração e a procura de um líder;
- lentamente, os ideais de liberdade e de igualdade foram ganhando mais adeptos;
- na tentativa de controlar a situação, ocorreu uma tomada sucessiva de medidas cada vez mais opressoras dos maus fracos e indefesos.
» Crise económica:
- as invasões francesas e o auxílio militar inglês arruinaram ó país;
- a agricultura (de subsistência), o comércio e a indústria eram muito débeis;
- a presença da corte no Brasil exigia o afluxo, proveniente de Portugal, de grandes somas de dinheiro em forma de rendas e de contribuições;
- há escassez generalizada de géneros alimentares e miséria popular generalizada.
» Crise ideológica:
- há uma hostilidade crescente aos ingleses, representantes de uma nova ocupação (à ocupação francesa sucedera a ocupação inglesa);
- difundem-se as ideias políticas revolucionárias que contestam a ausência do rei, a presença inglesa e a monarquia, considerada um regime absoluto repressivo.
» Conspiração de 1817:
- em 1817, várias pessoas foram presas sob a acusação de conspirarem contra a vinda de Beresford e contra a Regência;
- a revolta foi abafada à nascença: várias pessoas foram presas, como se disse, e julgadas sumariamente;
- a sentença foi dura: foram executadas doze pessoas, dentre as quais Gomes Freire de Andrade, um homem tido pelo povo como um herói social, simpatizante da maçonaria e das novas ideias;
- no entanto, esta execução, em vez de suprimir definitivamente futuras revoltas, apenas serviu para as estimular, visto que os opositores ao regime se convenceram da tirania dos governadores e da impossibilidade de conseguir quaisquer mudanças no status quo por meios pacíficos.
» Assim, em 24 de Agosto de 1820, ocorreu a Revolução Liberal, com origem no Porto, que tinha como objectivo alcançar a regência do Reino e convocar as cortes para adoptar uma constituição. No entanto, só um segundo levantamento, datado de 15 de Setembro, expulsou os regentes e constituiu um governo interino (chefiado por Freire de Andrade, parente do general-mártir de 1817). Esta revolução conduziu posteriormente, em 1822, à elaboração da primeira Cosntituição portuguesa.
» Em 1823, deu-se a Vila-Francada, uma sublevação de D. Miguel.
» Em Abril de 1824, ocorreu um movimkento militar, desencadeado pelo infante D. Miguel, visando a salvação do Reino dos possíveis perigos do liberalismo. É a Abrilada. Porém, D. João VI, sob pressão diplomática, desautorizou D. Miguel, retirando-lhe o comando do exército.
» Em 1826, faleceu D. João VI, sucedendo-lhe seu filho D. Pedro IV, o Libertador, que promulgou a Carta Constitucional.
» Em 1828, D. Pedro IV, imperador do Brasil, abdicou do trono de Portugal a favor de sua filha D. Maria da Glória (de sete anos de idade). D. Miguel, irmão de D. Pedro, regressou do exílio para assumir a Regência. Jurou a Carta Constitucional, mas, não concordando com uma política liberal, convocou cortes e assumiu o poder absoluto.
» Em 1829, D. Pedro regressou do Brasil e juntou-se à força dos liberais na Ilha Terceira (Açores).
» Em 1832, o exército liberal de D. Pedro IV partiu da Ilha Terceira rumo ao continente e desembarcou na praia do Mindelo, para daí cercar o Porto (Almeida Garrett e Alexandre Herculano integravam este exército).
» Em 1834, deu-se o triunfo dos liberais. Após as vitórias de Almoster (18/02/1834) e Asseiceira (16/05/1834), a Convenção de Évora Monte (26 de Maio de 1834) pôs fim à guerra civil. Em consequência, D. Miguel partiu para o estrangeiro e inciou-se o reinado de D. Maria II (1834-1853).

Frei Diogo de Melo

Frei Diogo de Melo é um homem sério (pág. 13); é o confessor de Gomes Freire e, nessa qualidade, reconhece que ele foi vítima de uma injustiça, para a qual contribuiu a instituição de que faz parte - a Igreja. Não tem qualquer pejo em o elogiar, o que provoca a ira de Principal Sousa.

Esta personagem contrasta com Principal Sousa, visto que representa uma Igreja pura, espelho da honestidade, fé, solidariedade, amor ao próximo, compaixão e sentido correcto de caridade cristã. Neste sentido, contraria o poder religioso instalado, embora não o confronte abertamente. Pede a Matilde que «Não faça a Deus o que os homens fizeram ao general Gomes Freire: não O julgue sem O ouvir.» (pág. 128).

A sua linguagem está eivada de sensibilidade, inocência e compreensão da dor alheia.