sexta-feira, 30 de abril de 2010

Gomes Freire de Andrade

Embora nunca apareça em cena, Gomes Freire de Andrade - amado pelo povo e odiado pelos governadores - é a personagem central e constitui o elemento estruturador da acção:
  • origina a sequência de episódios da peça;
  • é o símbolo da luta pela Liberdade e pela Justiça;
  • atrai a admiração e a esperança do povo miserávei e oprimido;
  • atrai, por outro lado, a desconfiança e o ódio dos governantes;
  • a sua prisão, condenação e execução constituem o centro das conversas e condicionam o comportamento das restantes personagens.

Apesar de estar fisicamente ausente, domina os pensamentos e preocupações das outras figuras, por isso o seu retrato é traçado a partir do que elas nos dão a conhecer sobre ele.

1. Para o POVO (populares, Antigo Soldado, Manuel, Rita...):
  • é considerado um mito - é mitificado;
  • representa a liberdade;
  • é um amigo, «um homem às direitas»;
  • é humano e corajoso («Não é um santo, é um homem como todos nós.»);
  • é o único capaz de enfrentar «os senhores do Rossio».

2. Para VICENTE:
  • é um general como os outros, que se serve do povo quando dele necessita e depois o abandona à sua sorte;
  • é um estrangeirado;
  • é idolatrado pelo povo.

3. D. Miguel:
  • considera-o lúcido, inteligente, idolatrado pelo povo, um soldado brilhante, grão-mestre da Maçonaria e um estrangeirado (pág. 17);
  • considera-o um traidor, daí a necessidade da sua morte: «Morte ao traidor Gomes Freire d'Andrade!» (pág. 74);
  • consciente de que não possui a capacidade de comunicação do primo, receia que este ponha em causa o seu lugar na regência e lhe retire a sua projecção como estadista;
  • considera-o um «inimigo natural desta regência.» (pág. 71);
  • considera-o incómodo já que «... devendo, por nascimento e posição, defender certos interesses, defende outros...» (pág. 96).

4. Para Beresford:
  • é seu inimigo, pois receia ser substituído por ele e, assim, perder os privilégios de que disfruta, entre os quais se conta a exorbitante tença que recebe por comandar o exército;
  • «Trata-se de um inimigo natural desta regência.» (pág. 71);
  • é incómodo porque «... devendo, por nascimento e posição, defender certos interesses, defende outros...» (pág. 96).

5. Principal Sousa:
  • odeia os franceses, os maçons, porque os considera responsáveis pela falta de respeito a Deus e à Igreja [«São muitos os inimigos do Senhor (...). Fala-se de Deus com ironia e da sua Igreja como se de letra mrota se tratasse. Os piores, Srs. Governadores, são os pedreiros-livres (...) Quem será o chefe da Maçonaria?» - pág. 67]. Por ser considerado estrangeirado, Gomes Freire de Andrade representa os franceses, cuja influência faz com que o povo cante «... pelas ruas subservivas.» (pág. 40).
6. Para Matilde:
  • constitui uma ameaça ao Poder, mesmo que não tenha sido conspirador: «Olhe que nem saía de casa com medo que o povo o aclamasse. Juro-lhe que nunca conspirou.» (pág. 95);
  • é o seu homem;
  • é o paradigma da honestidade, da verdade, da lealdade: «(...) dizem a verdade (...) vêem para além da cortina de hipocrisia com que os poderosos escondem a defesa dos seus interesses...» (pág. 95);
  • não é ambicioso nem adulador: «Vê para além das medalhas que usais no peito...» (pág. 96);
  • é ousado, corajoso e destemido: «... olha para vós de frente e sorri...» (pág. 96);
  • é valente, justo e leal;
  • está inocente do crime que lhe procuram imputar: conspirar contra o Poder («... ele não cometeu qualquer crime.» - pág. 95).
7. Para Sousa Falcão:
  • é o oposto de D. Miguel Forjaz: «É franco, aberto e leal...» (pág. 117) e sabe perdoar, ao contrário do primo, «calculista e medíocre»;
  • é um homem corajoso, o exemplo da luta por um ideal, um daqueles «... homens que obrigam todos os outros homens a reverem-se por dentro...» (pág. 137).
8. Para Frei Diogo:
  • é um santo: «Se há santos, Gomes Freire é um deles...» (pág. 126);
  • «Foi um grande privilégio que Deus lhe concedeu - o de viver ao lado dum homem como o general Gomes Freire.» (pág. 127).
Em suma, o general Gomes Freire de Andrade é apresentado como:
  • um homem culto, educado e letrado (um estrangeirado");
  • o símbolo da luta pela liberdade e pela defesa dos ideais contrários à prática dos "reis do Rossio";
  • o símbolo da modernidade e do progresso, adepto das novas ideias liberais, por isso considerado pelos governantes subversivo e perigoso, daí que preencha todos os requisitos para ser o bode expiatório do ambiente de revolta;
  • símbolo da integridade e da recusa da subserviência, da capacidade de liberança e de coragem na defesa dos ideais em que crê;
  • culpado (pelos detentores do poder) porque "... é lúcido, é inteligente, é idolatrado pelo povo, é um soldado brilhante, é grão-mestre da Maçonaria e é, senhores, um estrangeirado..." (p. 71);
  • um homem cuja morte remete para a manutenção de uma ideologia fossilizada, num país estagnado e assolado pelo medo, pela denúncia e pela suspeição (p. 63);
  • um homem cuja morte é duplamente aviltante enquanto militar, pois é enforcado e depois queimado, quando a sentenção adequada para ele na qualidade de elemento do exército seria o fuzilamento; por outro lado, a morte pretende ser uma lição para todos aqueles que ousarem afrontar o poder político.

Matilde de Melo

Matilde, Sousa Falcão e Frei Diogo constituem o grupo de amigos do general, que age em nome do amor, da amizade e da caridade cristã, respectivamente.

1. Origens:

  • Seia;

  • ambiente pobre e religioso.
2. Retrato físico:

  • vestida de negro (sinal de luto pela prisão do general);

  • desgrenhada (sofrimento e estado de alucinação causados pela prisão do general).
3. Retrato moral:

  • grande sentido de justiça e lealdade;

  • grande nobreza de carácter;

  • digna e simples, apesar do desprezo com que é tratada por ser a amante do general.
4. Matilde -> General:

  • apaixonada;

  • carinhosa;

  • grande ternura;

  • sensível;

  • sonhadora (recorda com saudade os tempos pobres, mas felizes, vividos por ambos).
5. Matilde -> após a prisão do general:

  • inundada pela dor, pelo rancor, pela raiva, pela angústia e pelo desespero;

  • vive uma crise de valores: mostra-se disposta a ceder perante o poder instituído em troca da via do general, chega a questionar os valores que nortearam a vida de Gomes Freire;

  • tudo faz para o salvar:
    -> humilha-se perante Beresford;
    -> ajoelha-se perante principal Sousa e implora-lhe que salve o seu amado.
6. Matilde -> no momento da morte de general:
  • vive um estado de alucinação, loucura e delírio -> denúncia do absurdo a que a intolerância e a violência conduzem o ser humano;
  • acaba por transformar a tragédia (morte do general) num momento de esperança e apelo à modificação da situação.
7. Matilde -> Governadores:
  • ousada e resoluta;
  • determinada e decidida;
  • combativa e corajosa;
  • revoltada;
  • inconformada perante a falsidade, a opressão, a deslealdade, a injustiça e a intolerância;
  • escarnece e desmascara a hipocrisia dos governadores;
  • mantém um discurso agressivo, crítico e sarcástico em certas falas com os governadores;
  • faz uso de um tom arrogante e desafiador, de desprezo;
  • porém, em gesto de desespero, humilha-se por momentos para salvar Gomes Freire.

  1. Matilde é uma mulher lúcida e corajosa, de carácter forte perante a vilania, vibrante nas palavras de paixão. Recusa a hipocrisia e odeia a injustiça e o materialismo.

  2. Amante, esposa e companheira de todas as horas, não suporta a separação do homem que ama, acabando por se revelar uma espécie de alterego de Gomes Freire. Quer isto dizer que é impossível dissociar o clamor de revolta de Matilde do general, e uma vez que ele não pode provar a sua inocência, será ela a tentar fazê-lo, invectivando os seus três principais adversários, pois não crê que a acusação se mantenha nem que a condenação venha a ocorrer quando os acusadores constatarem, em consciência e com justiça, que a acusação é falsa: "Serei, então, a voz da sua consciência. Ninguém consegue viver sem ouvir a voz da consciência, António." (p. 88).

  3. Existe, porém, outra Matilde: a mulher. Neste caso, é o símbolo do Feminino, revelado durante os diálogos que mantém, onde se assume como o arquétipo da mulher que ama e sofre porque ama. O seu discurso revela o seu sofrimento íntimo, bem como o de todos aqueles que, vendo-se separados do ser que os completa, se sentem despojados da unidade que simbolizam: "(...) Amante dum traidor... e assim acabamos a vida... Tu, que deste aos homens tudo o que tinhas e viveste de mãos abertas, acabas enforcado com o rótulo de traidor. E eu... que nasci tua mulher, morro tua (...) amante! Nem me recebem, meu amor. (...) Chegamos ao fim da vida - matam-nos e nem nos consideram dignos de uma explicação. Tratam-nos assim, como se nunca tivéssemos existido..." (p. 120).

  4. O seu discurso funciona como uma resposta ao discurso oficial, apoiado nos textos bíblicos, ainda que estes surjam com uma interpretação duvidosa: "(...) Senhor, se te lembras da cruz, permite que o meu homem morra de cabeça levantada! Não vos peço nada para mim. Mais: troco a minha vida pela dele! Fazei-me sofrer, matai-me torcida de dores e abandonada de todos, mas a ele, dai-lhe uma morte que o não mate de vergonha!" (pp. 97-98).

quinta-feira, 29 de abril de 2010

Simbologia

1. Símbolos religiosos

  • Gomes Freire => Cristo:
    -» o general morre às mãos de um poder político opressivo que se sente ameaçado, de um poder militar estrangeiro (Beresford <-> Pôncio Pilatos) e de um poder religioso reaccionário (principal Sousa <-> fariseus);
    -» ambos são sujeitos a um julgamento fictício e condenados por razões do Estado;
    -» ambos sofrem uma morte indigna: Cristo é cruxificado, castigo próprio dos ladrões; Gomes Freire é enforcado (a morte adequada a um militar era o fuzilamento) e não tem direito a uma sepultura (o corpo é queimado e os restos atirados ao mar - p. 135).

  • Principal Sousa => Judas:
    "... vende Cristo todos os dias, a todas as horas, para o conservar num poder que Ele nunca quis..." (p. 123);
    -» Matilde acusa-o de ser pior do que Judas, porque nem sequer se arrepende: "Judas, que traiu Cristo uma vez, acabou enforcado numa figueira, mas Vossa Reverência, que O trai todos dias, vai acabar entre os seus com todas as honras que neste Reino se concedem a hipócritas e se negam aos justos..." (pp. 128 e 129);
    -» o gesto de desprezo de Matilde (atira-lhe a moeda aos pés) simboliza o pagamento da traição, ou seja, os 30 dinheiros que Judas recebeu por denunciar Cristo.

  • A prisão de Gomes Freire com mais 12 homens:
    -» Jesus Cristo (Gomes Freire) e os 12 apóstolos, excluindo Judas (p. 112);
    -» o n.º 12 representa o ciclo completo (por exemplo, os doze meses do ano);
    -» o n.º 13, que se segue ao 12 (La Palisse), representa a ideia de renovação, isto é, completo um ciclo, tudo se renova e novo ciclo se iniciará. No fundo, estamos perante a esperança de que os treze prisioneiros, a sua prisão e condenação, sirvam como ponto de partida para uma mudança na situação de Portugal.
2. Símbolos cromáticos

  • Verde:
    »» associado à saia de Matilde, oferta de Gomes Freire, representa o amor e a afectividade entre ambos;
    »» tratando-se de uma saia que ela nunca usou, pode querer dizer que o amor de ambos, até ao momento, ainda não foi posto à prova;
    »» a esperança: primeiro, de Matilde, que espera que o companheiro seja libertado; posteriormente, de que a morte do generalnseja a sementa da revolta e da libertação.

  • Vermelho: é o símbolo do princípio fundamental da vida, mas, sendo, paralelamente, a cor do sangue e do fogo, representa a vida e a morte. Representa ainda o sagrado e o secreto, daí que principal Sousa se vista de vermelho. Sendo a cor do fogo, partilha com o sol a capacidade de dar vida e de destruir.

  • Preto:
    * é a cor do desespero e do luto antecipado de Matilde pela morte do general (ela aparece sempre em palco vestida de negro);
    * já o luto de Sousa falcão é por si mesmo, não pelo general, pois não foi capaz de manter as suas convicções e morrer, juntamente com Gomes Freire, em defesa das mesmas ("É por mim que estou de luto, Matilde! Por mim..." - p. 137).
3. Outros símbolos

  • Lua:
    > simboliza a noite, a infelicidade, o mal, o sofrimento, a morte e o castigo;
    > para Manuel, simboliza uma esperança de uma claridade que teima em fugir-lhe (p. 78);
    > para D. Miguel, o luar é um adjuvante, pois permite ver as fogueiras em que ardem os condenados, ou seja, permite visualizar o horror e instalar o medo entre os populares que assistem;
    > representa o tempo que passa e a passagem da vida à morte e da morte à vida (todos os meses, a lua «morre» três dias). É esta noção de renascimento que Matilde encontra na lua: ela permite ver o fim de um ciclo, o fim da noite, das trevas. O seu homem está a morrer, mas essa morte é somente a passagem para um outro estádio da existência (p. 140).


  • Luz:
    > está ligada à fogueira e ao fogo, elemento destruidor e purificador, bem como ao luar e à noite;
    > é a metáfora do conhecimento que permite o progresso, o futuro, logo a neutralização da noite, entendida como símbolo da falta de liberdade, do poder absoluto e opressivo, da injustiça, da ausência de esclarecimento;
    > assim sendo, a luz remete para os valores do futuro: a LIBERDADE, a IGUALDADE, a JUSTIÇA e a FRATERNIDADE;
    > a luz da fogueira, se, por um lado, destrói o corpo de Gomes Freire, por outro, permite que o seu exemplo de coragem, de determinação, de liberdade seja visto por todos que assistem à execução, permitindo que o Bem acabe por triunfar.


  • Fogueira:
    -> simboliza a purificação, a morte da velha ordem, um novo mundo;
    -> por outro lado, na boca do Antigo Soldado e de Manuel, simboliza a opressão e o terror (pp. 80, 109), ideia comungada por D. Miguel Forjaz: "Lisboa há-de cheirar toda a noite a carne assada, Excelência, e o cheiro há-de-lhes ficar na memória durante anos... Sempre que pensarem em discutir as nossas ordens, lembrar-se-ão do cheiro..." (p. 131);
    -> para Matilde, a fogueira possibiltará a tomada de consciência da repressão e transformar-se-á em fonte de revolta e mudança. Assim, Gomes Freire, qual fénix, renascerá das cinzas e será uma lição para o mundo.


  • Título:
    -> tratando-se de uma frase exclamativa, remete para a possibilidade de a frase ter sido pronunciada por alguém;
    -> de facto, esta frase é, primeiro, pronunciada por D. Miguel Forjaz (p. 131) e pretende funcionar como um aviso a todos aqueles que ousem desafiar a ordem estabelecida, portanto como um elemento amedrontador e aterrorizador;
    -> a segunda personagem a proferi-la é Matilde e, neste caso, a frase traduz a esperança que o povo continue a lutar contra a tirania e a injustiça, a partir do exemplo de crueldade (dos governadores) e, em simutâneo, de ousadia e coragem (do general) a que está assistir.


  • Saia verde de Matilde:
    -> associa-se, pela cor, à renovação anual da Natureza e à cor da esperança;
    -> representa a esperança do reencontro depois da morte ou a crença em que aquele amor é imortal;
    -> simboliza a regeneração e o renascimento: "Matilde - Foi para o receber que eu vesti a minha saia verde!" (p. 137);
    -> simboliza o despertar da vida (p. 114);
    -> simboliza, no fundo, a própria VIDA: "Matilde - Olha, meu amor, vesti a saia verde que me compraste em Paris!" (p. 138).


  • Tambores: simbolizam a opressão / a repressão; provocam medo nos pulares que, mal ouvem o seu som, se põem em fuga (pp. 18 e 139): "Símbolo de uma autoridade sempre presente e sempre pronta a interferir".

Espaço psicológico

O espaço psicológico compreende, essencialmente, os sentimentos que as personagens nutrem entre si.

1. Populares:

  • admiração pelo general, em quem depositam toda a sua esperança;

  • tolhidos pelo temor dos governadores.
2. Manuel:

  • infelicidade, pela sua impotência, patente no início dos dois actos), isto é, por nada poder fazer para mudar o rumo dos acontecimentos;

  • grande ternura e carinho pelos pobres e pedintes;

  • antipatia e desprezo pelos polícias e por todos aqueles que estão do lado da injustiça e do poder;

  • grande carinho e amor por Rita;

  • enorme admiração pelo general Gomes Freire de Andrade.
3. Rita:

  • enorme carinho e amor por Manuel, seu marido;

  • grande ternura e solidariedade por Matilde, ao constatar o seu sofrimento pela prisão do general.
4. Antigo Soldado: grande amiração e simpatia por Gomes Freire, que vê como um herói.
5. Vicente:

  • desprezo pelos seus semelhantes (povo) quando se torna chefe da polícia;

  • inveja e sentido de injustiça relativamente aos fidalgos por lhe estar vedado o acesso ao tipo de vida que estes possuem, só porque nasceu pobre.
6. Dois Polícias:
  • antipáticos e rigorosos para com o povo;
  • respeitadores e obedientes aos governadores.
7. D. Miguel Forjaz:
  • profundo ódio por Gomes Freire;
  • dedicação ao rei;
  • misto de respeito e medo relativamente a Beresford.
8. Beresford:
  • sentimento de superioridade relativamente aos outros governadores;
  • ausência de consideração pela vida humana;
  • sistematicamente trocista e irónico relativamente a principal Sousa e a Matilde, quando esta lhe implora a libertação do marido.
9. Principal Sousa:
  • ódio aos franceses, acusando-os de provocarem a revolta entre o povo;
  • sentimento de inferioridade relativamente a Beresford;
  • ódio a Gomes Freire.
10. Andrade Corvo e Morais Sarmento: medo indescritível dos governadores.

11. Frei Diogo de Melo:
  • forte admiração pelo general;
  • crítico dos governadores, nomeadamente principal Sousa.
12. António Sousa Falcão:
  • dedica grande amizade a Matilde e ao general, pela coragem que manifestam;
  • ódio a D. Miguel por este não receber Matilde;
  • desprezo pela sua pessoa (final da peça), ao constatar que não possui a mesma coragem e determinação que o general e por não estar a seu lado na prisão;
  • tristeza por se sentir impotente para alterar o rumo dos acontecimentos.
13. Matilde de Melo:
  • amor e felicidade, ao recordar a intimidade do seu lar, na companhia de Gomes Freire;
  • desânimo e frustração perante a passividade do povo;
  • desprezo pelos governadores;
  • desespero ao constatar que é impossível salvar o general.
14. Gomes Freire de Andrade:
  • objecto da admiração e da esperança do povo;
  • odiado pelos governadores, que desejam ver-se livres de si.

Espaço social

1. Lisboa:

  • centro e símbolo de Portugal;
  • capital do reino, onde está instalado o governo e onde se inicia a revolta popular, que só posteriormente se alarga à província (pp. 55 e 64);
  • espaço de contrastes, que permite o confronto claro entre o poder e o povo;
  • cidade do descontentamento e das fogueiras (lembrando os autos-de-fé);
  • espaço de opressão, delação, injustiça, violência...

  • Rua:
    -» espaço mais adequado para revelar o homem nas suas relações sociais (segundo Brecht);
    -» por isso, o cenário não apresenta uma rua definida, específica, mas somente os objectos que indiciam a miséria popular (pp. 16 e 18);
    -» espelho do quotidiano do povo oprimido;
    -» palco da vida dos pobres, dos pedintes, dos injustiçados, dos que lutam ingloriamente pela justiça e pela liberdade, em suma, do povo andrajoso, miserável, uma multidão de aleijados e doentes;
    -» miséria, opressão, injustiça...;
    -» impotência popular perante o decurso dos acontecimentos, nomeadamente a prisão de Gomes Freire (início do acto II);


  • Baixa:
    -» sede da Regência (espaço interior);
    -» as três cadeiras pesadas e ricas e com aparência de tronos (p. 47) simbolizam as três faces do poder (D. Miguel -> poder civil; Beresford -> poder militar; principal Sousa -> poder religioso), bem como a opulência e a riqueza dos governadores, que contrastam com a miséria do povo;
    -» a indumentária que envergam traduz a riqueza, o luxo e a ostentação dos poderosos;
    -» o criado de libré e as suas atitudes traduzem a sua dependência relativamente ao patrão e a absorção das regras das camadas mais elevadas da sociedade (daí o distanciamento e o desprezo com que ele se dirige a Matilde).


  • Rato:
    -» casa de Gomes Freire e de Matilde;
    -» a cadeira tosca onde se senta Matilde (p. 83), contrastante com as três cadeiras dos governantes, reflecte a falta de recursos económicos do casal e a sua dependência socioeconómica.

  • Loja maçónica da Rua de S. Bento e botequim do Marrare: locais que assumem dimensão política revolucionária.

  • : traduz também a miséria popular (lugar onde o povo pedia esmola: "Na Páscoa, à porta da Sé, fiz o bastante para comer durante três dias..." - p. 100).

  • Tejo: local onde Manuel faz a "descarga das barcaças".

  • S. Julião da Barra (espaço oito vezes referenciado entre as pp. 126 e 129):
    -» a prisão de Gomes Freire;
    -» as condições desumanas e indignas em que se encontra preso o general.

  • Serra de Santo António: local de onde se avista S. Julião da Barra.

  • Campo de Sant'Ana (pp. 131 e 137): local das execuções dos presos.

quarta-feira, 28 de abril de 2010

Tempo da acção

          O tempo da acção refere-se à duração dos acontecimentos retratados na peça e aparece referenciado nas didascálias e / ou falas das personagens.
        Por outro lado, constata-se que os dados relativos ao tempo da acção são escassos, tornando-o concentrado, visando-se assim a intemporalidade da sua mensagem, isto é, a «estória» não é datável, pertence a qualquer tempo.
          Na esteira de Brecht ou Gil Vicente, a passagem do tempo não é linearmente explicitada, visto que as acções se sucedem, bem como os espaços em que são representadas, reduzidas à sua essência, ou simbologia, não sendo marcado o decurso dos dias.
          O tempo narrado não coincide, portanto, com o tempo da acção, o que se comprova facilmente se recordarmos que o retrato de Gomes Freire assenta em referências a momentos importantes da sua vida, como as campanhas militares ou a passagem por Paris, anteriores ao início da acção representada em palco. Com efeito, a época retratada, como já foi dito noutras postagens, é a das revoltas liberais: o general inicia a sua actividade militar em 1782 e é julgado, condenado e enforcado como traidor em 18 de Outubro de 1817; já o tempo da acção é consideravelmente mais reduzido, pois começa num dia não especificado  - sabemos que Rita dorme e que chegou tarde, às cinco horas -, numa fase em que as ideias revolucionárias fazem o seu caminho (pp. 35, 67 e 68) e os governadores preparam a sua repressão, e termina, como o tempo narrado, na referida noite de 18 de Outubro de 1817, a única data explicitamente inscrita na peça.

          No primeiro acto, a acção incia-se com a alvorada («São horas de irmos indo, mulher.» - pág. 17), culminando na prisão do general, que ocorreu de noite, de acordo com informações posteriores das personagens. Após um início de peça em é mais lento e coincide com a descrição da situação de miséria popular e com o retrato de Vicente e dos outros delatores, o ritmo acelera progressivamente, assumindo a pressa dos governadores em esmagarem a agitação revolucionária. A partir daqui, somos confrontados com uma sucessão rápida de entradas e saídas dos denunciantes, que vêm, individualmente, trazer as suas informações, pontuadas por referências temporais que sugerem a rapidez da contra-revolução - «Há dois dias» (pág. 50 e 68), «Ontem à noite» (pág. 60) - num crescendo que se torna alucinante no final do acto, quando os discursos dos três governadores apelando à contra-revolução são apresentados sequencialmente, logo após a tomada de decisão (pp. 73-74), sem qualquer indício temporal.

          O acto segundo coincide com o tempo da repressão sem limites. Os indícios temporais continuam a ser diminutos, porém, através das falas dos populares, sabemos que o acto se inicia na manhã do dia em que o general e os restantes conjurados foram presos, facto que ocorreu na noite precedente e que, historicamente, se localiza no dia 25 de Maio de 1817. Este acto finaliza com a execução do general e dos seus companheiros em 18 de Outubro desse ano (pág. 129), durante uma noite de luar: «Esta praga lhe rogo eu, Matilde de Melo, mulher de Gomes Freire d'Andrade, hoje, 18 de Outubro de 1817». A concentração do tempo está, pois, em consonância com a pressa dos governadores em julgarem e executarem os revoltosos, pretendendo desse modo dar uma lição pública que terminasse de vez com as ideias revolucionárias, bem como com a ânsia de Matilde em conseguir libertar Gomes Freire.
          Embora a falta de indicações temporais possa fazer crer que o tempo da acção é mais curto do que o tempo histórico, tal não é exacto, se atentarmos na fala de Matilde quando afirma que Gomes Freire passou 150 dias na masmorra (pág. 129), o que, grosso modo, coincide, de facto, com o tempo histórico: 147 dias. Outras indicações da passagem do tempo são-nos fornecidas por Sousa Falcão («Só ao fim de seis dias lhe abonaram dinheiro para comer.» - pág. 111) e Matilde («Há quatro dias que não me deito e que não sinto, na minha, qualquer mão amiga...»).

          Em suma, o tempo da acção / história comprova aquilo que as fontes históricas referem: a organização do processo de condenação e a execução dos conspiradores decorreu de forma muito rápida, não oferecendo qualquer hipótese de defesa aos réus.
         

Espaço físico

A primeira grande nota que se pode retirar da análise do espaço físico de Felizmente há Luar! é a de que esta categoria dramática não assume relevo na peça, visto que a atenção do dramaturgo está concentrada, essencialmente, no espaço social, este sim dotado de grande significado e importância. De facto, por influência de Brecht e do teatro medieval, as escassas referências ao espaço físico justificam-se pela noção que se pretende transmitir, segundo a qual a acção pode decorrer em qualquer lugar e «sempre que o 'ontem' impossibilite o despertar do 'amanhã'». Não obstante, constata-se que a acção da peça se dispersa por vários locais - interiores e exteriores -, embora todos estejam interligados pela(s) referência(s) ao general Gomes Freire de Andrade, sendo que o espaço dominante é o da cidade de Lisboa.

Assim, no primeiro acto, são referidos diversos espaços: as ruas de Lisboa, onde se encontram os populares; o local onde D. Miguel recebe o delator Vicente; o palácio dos governadores do Reino, situado no Rossio; a casa de Gomes Freire, para os lados do Rato; e mos espaços frequentados pelos revolucionários / conspiradores: um café no Cais do Sodré, o botequim do Marrare e uma loja maçónica, situada na rua de S. Bento.

No acto II, os espaços referenciados são bastantes mais: as ruas de Lisboa, onde os populares comentam a prisão recente de Gomes Freire; a casa de Matilde de Melo; o local onde Beresford a recebe; à porta da casa de D. Miguel Forjaz, onde o criado de libré a informa que o governador a não vai receber; o local (provavelmente sagrado) onde Matilde dialoga com Principal Sousa; o alto da Serra de Santo António, onde Matilde e Sousa Falcão observam as fogueiras que queimam os revolucionários; a masmorra de S. Julião da Barra, local onde se encontra o general; o Campo de Santana, para onde são transportados os presos; a aldeia onde nasceu Matilde; Paris, onde o casal viveu; os campos da Europa, onde o general combateu; e a porta da , onde os populares mendigavam.

Pelo atrás expostos, não é difícil concluir que o espaço é muito pobre em recursos cénicos, o que faz com que, por isso, ganhe grande valor simbólico, reforçando assim o carácter épico da peça.
Por outro lado, a mudança de espaço físico é sugerida por outras técnicas que não as «tradicionais», nomeadamente pelo recurso aos jogos de luz / sombra, que possibilitam a criação de um ambiente quer de desalento, quer de sonho, e pelo recurso a alguns objectos: um caixote, uma saca, uma cruz, três cadeiras opulentas, uma cadeira tosca e uma velha cómoda.
Por último, note-se que Lisboa é um espaço de contrastes que permite o confronto entre o poder e o povo, assumindo, deste modo, um valor preferencial de espaço social pelas dicotomias que contém.

domingo, 25 de abril de 2010

Outra Liga dos Campeões



(c) A Bola

Rita

Rita desempenha uma «papel duplo» na peça de Sttau Monteiro. De facto, de um lado, encontramos a esposa de Manuel, uma mulher submissa ao marido, angustiada com a situação e que lhe implora que não se envolva em questões políticas. Estes traços significam que a sobrevivência do marido é o cerne das suas preocupações, o que nos revela uma mulher profundamente apaixonada pelo seu companheiro.

No segundo acto, encontramos uma outra Rita, a mulher solidária e cúmplice de Matilde, que compreende o seu sofrimento e a sua dor, que denuncia a violência exercida sobre o general, que mostra o seu desespero e revolta com a situação vivida.


Tempo da escrita

          Felizmente há Luar! foi publicado em 1961, ano em que o Estado Novo e Salazar florescem ainda.
          Este regime foi o responsável por um clima de opressão e de violação dos direitos humanos mais básicos: o de expressão, de manifestação e associação. A oposição apenas poderia existir de forma clandestina e o esforço para manter a ordem era exercido de modo violento, recorrendo-se frequentemente à força, dado que o governo se regia por princípios totalitários, baseados no autoritarismo.
          Um dos braços do regime era a PIDE / DGS, uma polícia política e espécie de nova Inquisição do século XX, apoiada em informantes (os «bufos»), que recebiam um pagamento mensal para denunciar qualquer pessoa ou actividade que parecesse suspeita. A pressão da PIDE, por outro lado, fazia sentir-se de diversas maneiras: tortura, despedimentos, perseguições, prisões, deportações, exílios...
          De facto, a censura, que existia em Portugal desde o século XV, tornou-se um precioso instrumento do salazarismo, exercendo-se nos diversos sectores da vida, nomeadamente o ideológico e literário, o responsável pela estagnação criativa e artística no país. Muitos escritores e mais obras ainda, incluindo Sttau Monteiro e a peça em análise, foram censurados e etiquetados de «subversivos».
          Curiosamente, a década de 60 do século passado coincidiu com um acentuado crescimento económico do país, o que não inviabilizou que continuasse a primar pelas miseráveis condições de vida e de trabalho, pela ausência de condições higiénicas e de salubridade, por uma elevada taxa de mortalidade infantil e de analfabetismo, tudo indicadores de pobreza que nos colocavam na cauda da Europa.
          Por outro lado, o ano de 1961 marca também o início da guerra colonial, que fomentou a emigração clandestina ou o exílio de muitos jovens que lhe procuravam, assim, fugir.
          Todo este caldo serviu de rastilho a um clima crescente de descontentamento geral que se evidenciou em várias manifestações estudantis e greves que contestavam o regime, e também o aparecimento de movimentos de oposição política que exigiam eleições livres e democráticas.
          Em suma, a publicação de Felizmente há Luar! coincide com um descontentamente galopante, em parte estimulado por uma opinião politica e progressivamente informada sobre o que acontecia na maioria dos países europeus ocidentais, onde a democracia já havia triunfado.

sábado, 24 de abril de 2010

David Bowie: «Absolute Beginners»


Música do Verão de 1986, que ouvíamos enquanto nos preparávamos para os exames de admissão à faculdade e, depois, enquanto esperávamos pelos resultados e, por último, enquanto celebrávamos após termos sido admitidos.

quinta-feira, 22 de abril de 2010

Antigo Soldado

O Antigo Soldado, que fez parte do seu regimento, representa os soldados que viam no general Gomes Freire um herói («Gomes Freire é o seu herói.»), sendo, assim, a pessoa ideal para demonstrar a influência que aquele possuía nos seus homens. Com efeito, por um lado, Gomes Freire representa para eles o ideal da liberdade; por outro, a simples referência ao seu nome semeia o orgulho e a saudade dos tempos que combatiam com ele.
O Antigo Soldado mantém algumas semelhanças com uma das personagens centrais de Memorial do Convento, Baltasar Sete-Sóis, visto que ambos combateram e foram desprezados pelos seus exércitos a partir do momento em que deixaram de o poder fazer, a partir do momento em que deixaram de lhes ser úteis, dando, portanto, razão a Vicente, quando este argumenta, na sua estratégia de desacreditar Gomes Freire, que os soldados, que fazem parte do povo, só servem os generais enquanto têm préstimo, capacidades, sendo posteriormente abandonados à miséria («Este homem está aqui porque já não serve para nada. Ouviram? Está aqui porque já não interessa aos generais. O queles querem é servir-se da gente! Quando um homem chega a velho e já não pode andar por montes e vales, de espingarda às costas, para eles se encherem de medalhas, tratam-no como um pobre fugido à polícia: abandonam-no, mandam-no para a porta das igrejas pedir esmola...» - pág. 22) .De facto, no início da peça, ele surge integrado no grupo dos populares miseráveis, limitando-se, no presente, a expressar a sua nostalgia e saudade sempre que recorda os tempos passados ao lado do general.

Os delatores: Andrade Corvo e Morais Sarmento

O grupo dos delatores / traidores (Vicente, Andrade Corvo e Morais Sarmento) funciona como uma espécie de grupo-sombra que age segundo os seus interesses e conveniências, obtidos através do exercício do Poder, não demonstrando quaisquer princípios ou valores éticos e morais em se vender. Com efeito, o seu papel na peça «resume-se» à provocação e à denúncia, pelo qual são premiados e não castigados, como seria desejável. No fundo, estas figuras corporizam o meio utilizado pelos governadores para alcançarem o seu fim: a condenação de Gomes Freire de Andrade (daí serem apelidados, ironicamente, de «patriotas»).

Andrade Corvo é um oficial do exército («Mau oficial, ignorante...»), «... promovido pela denúncia, já que o não pode ser por mérito.». Ex-maçon e Materialista, é um delator que possui grande poder argumentativo, como o comprova o diálogo que mantém com Morais Sarmento, quando este aparenta alguns escrúpulos por estar a contribuir para  a condenação de um inocente, em que vence esses receios e hesitações do companheiro. O seu nome liga-se à simbologia disfórica do corvo, ave de mau agouro.

Por seu turno, Morais Sarmento é capitão do exército, inseguro e hesitante, aparentando ficar atormentado pela sua consciência e receando ser rotulado de traidos por causa do processo que levará à condenação à forca do general Gomes Freire.

Estas duas personagens, além das características que as individualizam, funcionam como um par, um «mini-grupo», pois comungam da maioria dos traços que constituem o seu retrato. De facto, ambos são denunciantes e corruptos, vendendo-se a troco de dinheiro e de uma promoção; ambos são tratados com superioridade pelos governadores, que os apelidam ironicamente, como atrás já ficou esclarecido, de «patriotas»; ambos surgem em cena exclusivamente no acto I, visto que a sua missão termina quando pronunciam o nome do general como o chefe da conjura. Por outro lado, nunca andam sozinhos, dado que, não sendo honestos, necessitam constantemente de testemunhas que comprovem os seus falsos testemunhos / depoimentos: «Defendem-se sempre, andando em grupo, tal é o conhecimento que têm de si mesmos...».
Pelo que acima ficou resgistado, pode concluir-se que as figuras em análise neste «post» representam os delatores por excelência, aqueles que não possuem qualquer escrúpulo em trair, em mentir, em abdicar de quaisquer ideais, para satisfazer os seus interesses e os obscuros «interesses patrióticos» dos governadores. Por outro lado, põem a nu o exército português, pela sua desorganização e pela ausência de qualidade(s) de alguns soldados, oficiais e capitães para desempenharem adequadamente os seus cargos.

Principal Sousa

Principal Sousa, a figura que representa o poder religioso, é, em nossa opinião, de todas, a personagem mais odiosa da peça. Porquê? Desde logo, porque deveria representar o BEM e, por isso, estar ao lado do povo humilhado, explorado, oprimido e ingorante. No entanto, pelo contrário, Principal Sousa personifica uma Igreja contrária aos princípios cristãos e ao exemplo de Jesus Cristo: autocrática, dogmática, conservadora nos usos e costumes, falsa e hipócrita, defensora dos seus interesses, daí o seu comprometimento com o poder político (a equivalência à relação, em determinados períodos do estado Novo, entre a Igreja católica, representada pelo Cardeal Cerejeira, e o Presidente do Conselho, António de Oliveira Salazar).
O terceiro governador é, além disso, um obscurantista, na medida em que defende a manutenção do povo na ignorância para que, desse modo, o poder opressivo e tirânico possa manter o seu reinado livremente. Assim, também não é de estranhar que ele odeie os ideais revolucionários e os franceses, acusando-os de serem responsáveis pelo espiríto revolucionário que germina e que poderá contribuir para o fim do seu consulado. Ainda enquanto «homem religioso», vive deformado pelo fanatismo religioso, evidenciando uma ausência aflitiva de valores éticos e um paternalismo falso, oco e beato. Daí a sua linguagem estereotipada, paternalista e falsamente compreensiva.

Em termos de relações com as outras personagens, odeia o general, nutrindo contra ele um forte desejo de vingança; detesta igualmente Beresford, mas não o hostiliza por reconhecer que necessita da sua ajuda para manter o poder de que disfruta; acaba desmascarado e humilhado por Matilde.

Em suma, Principal Sousa simboliza o seguinte:
a) o conluio entre a Igreja e o Poder;
b) a política do orgulhosamente sós, princípio em que se espelha, mais uma vez, o Salazarismo;
c) o não cumprimento da sua missão, evidenciada pela sua hipocrisia, pela ausência de valores éticos e morais consonantes com a ética cristã e pela cobertura que dá à injustiça.

quarta-feira, 21 de abril de 2010

D. Miguel Forjaz

D. Miguel Forjaz pertence ao grupo das personagens do PODER, do qual fazem igualmente parte Principal Sousa e William Carr Beresford, formando um núcleo de comprova a existência de diversos interesses em jogo no que à regência do reino diz respeito: os da nobreza, os dos oficiais ingleses e os da Igreja católica.. Por outro lado, os três comungam ainda do medo que possuem relativamento ao movimento liberal por este poder pôr em causa a rígida hierarquia da governação e, assim, ameaçar os privilégios de que beneficiavam.

D. Miguel é o representante, na peça, da nobreza e de uma das três formas de poder: o civil. Trata-se de uma figura prepotente e sectária, religiosa e absolutista. É alguém reaccionário, que não aceita as ideias de liberdade, personificada pelo general Gomes Freire de Andrade. Não obstante serem primos, ele odeia-o porque põe em causa o seu poder e porque lhe reconhece qualidades que ele não possui. Assim, sentindo-se ameaçado pelas novas ideias e pelo ambiente revolucionário que se vai instalando, executa um plano ardiloso para forjar a condenação do general, assumindo, sem rebuço, o seu maquiavelismo, ao afirmar que os fins justificam os meios.

O processo que leva à condenação do general revela um D. Miguel corrupto («compra» os denunciantes, com Vicente à cabeça), ameaçador, manipulador e estratega, recorrendo a argumentos convincentes para alcançar os seus desígnios. Deste modo, no intuito de convencer Beresfor a alinhar no seu plano, dado que este receia perder o seu posto e a sua tença, descreve Gomes Freire como um soldado brilhante, um homem inteligente e um herói popular, e, ao procurar o apoio de Principal Sousa, relembra-lhe que o general é grão-mestre da Maçonaria e um estrangeirado. Não obstante, revela sempre ser medroso e até cobarde, por exemplo, quando não é capaz de receber Matilde Melo, no acto II, que se lhe dirige procurando libertar o «marido».

Nas palavras de Sousa Falcão (pp. 116-117), D. Miguel é «frio, desumano e calculista. Odeia Gomes Freire (...) é a personificação da mediocridade consciente e rancorosa.» e «... um cristão de domingo (...) todos os dias dá, a um pobre, pão que lhe baste para se conservar vivo até morrer de fome...» - o oposto do seu primo. Por outro lado, é desumano, vingativo e cruel, por exemplo, quando afirma que «Lisboa há-de cheirar toda a noite a carne assada. (...) o cheiro há-de-çhes ficar na memória durante muitos anos...», ou «Temos de a impedir [à revolução] com tal brutalidade que ninguém volte a conjurar neste Reino...» (pp. 71-72).

Na sua qualidade de governador, personifica o pequeno tirano, insensível, inseguro e prepotente, que é avesso ao progresso e à modernidade, mantendo o povo na miséria, na ignorância e no obscurantismo, pois a situação reverte a seu favor. O seu discurso enquadra-se perfeitamente no da época do Estado Novo (séc. XX), girando em torno da retórica e lógica ocas e demagógicas, construindo verdades falsas - assinalem-se, a título exemplificativo, as ideias do «ardor patriótico», da construção de «um Portugal próspero e feliz, com um povo simples, bom e confiante, que viva lavrando e defendendo a terra, com os olhos postos no Senhor...». Por outro lado, a sua megalomania e prepotência aliam-se à cobardia e ao calculismo político, num ser desprovido de integridade e corrupto. O processo de condenação do general evidencia, ainda, a aliança da traição, do despeito e da vingança, sentimentos motivados por aquela figura: «Senhores Governadores: aí tendes o chefe da revolta. Notai que lhe não falta nada: é lúcido, é inteligente, é idolatrado pelo povo, é um soldado brilhante, é grão-mestre da Maçonaria e é, senhores, um estrangeirado. (...) Se eu fosse falar do ódio que lhe tenho...» (pp. 97-98).

Além disso, personifica a ambição desmedida, o egoísmo e o desejo de perpetuação da opressão, do absolutismo, das injustiças e diferenças sociais: «Não concebo a vida, Excelências, desde que o taberneiro da esquina possa discutir a opinião d'el-rei, nem me seria possível viver desde que a minha opinião valesse tanto como a de um arruaceiro. Pergunto-vos, senhores: que crédito, que honras, que posições seriam as nossas, se ao povo fosse dado escolher os seus chefes?» (p. 43).

domingo, 18 de abril de 2010

Tempo histórico

          A acção da peça remete-nos para a revolta de 1817, contendo referências muito concretas ao contexto que se vivia:
» referências à Revolução Francesa;
» referência à revolução de Pernambuco, ocorrida em 1817 e que inspirou, de certo modo, a conspiração portuguesa desse mesmo ano;
» referências às invasões francesas;
» referência à ida da corte portuguesa para o Brasil, motivada pela presença dos franceses;
» os negócios do reino ficaram a cargo da Regência (Junta Provisória);
» a aliança de Portugal com a Inglaterra (os ingleses instalaram-se em território luso desde 1808 para reorganizar a sua defesa);
» o clima de recessão económica e de instabilidade social, decorrentes das invasões francesas (ocorridas em 1807, 1808 e 1810), com referências à miséria do povo e à estratificação social;
» as perseguições políticas constantes, baseadas na delação, no compadrio e na troca de favores, reprimindo a liberdade de expressão, a circulação de ideias e qualquer tentativa de implantação do liberalismo;
» a repressão dos conjurados de 1817, levada a cabo pela Junta Provisória;
» a condenção à morte de Gomes Freire de Andrade, um estrangeirado liberal e militar competente e prestigiado, supostamente envolvido numa conspiração. 

Tempo da representação

          O tempo de representação corresponde à duração da peça e está dependente da extensão do texto, do ritmo sugerido nas didascálias e do encenador, mas, regra geral, corresponde a um período curto.

          No que diz respeito às épocas da representação, por motivos políticos, a peça foi representada pela primeira vez, em antestreia, na sede do Club Franco-Portugais de La Jeunesse, em Paris, a 1 de Março de 1969, e foi estreada no dia 30 do mesmo mês no Théâtre de l'Ouest Parisien, também de Paris.

          A primeira representação em solo nacional ocorreu no Teatro Nacional, em 1978, com encenação do próprio autor.

sábado, 17 de abril de 2010

Beresford

Se D. Miguel personificava o poder civil, William Beresford representa o domínio britânico e o poder militar.
Esta é uma personagem que, desde logo, manifesta o seu desprezo por Portugal, que considera um país insignificante e provinciano, «um país de intrigas e de traições», «factos» que as figuras dos restantes governadores e dos delatores (Vicente, Andrade Corvo e Morais Sarmento) exemplificam. Não é, pois, de estranhar que assuma, sistematicamente, uma postura de arrogância e de superioridade relativamente ao reino e às suas gentes, contrapondo a sua terra natal, uma «terra onde as leis são humanas, as pessoas cultas e a vida cheia de sentido».
Dois dos traços característicos de Portugal com que mais antipatiza são o catolicismo caduco e o exercício incompetente do poder, mostrando-se, nos diálogos que trava com Principal Sousa, sistematicamente, sarcástico, irónico, jocoso, zombador, mordaz, trocista e profundamente crítico quer com o país, quer com as suas instituições. Atente-se, por exemplo, nas opiniões que manifesta sobre o exército (considera-o pindérico), o Rei e a Igreja, que despreza.
Relativamente à trama urdida em torno da figura de Gomes Freire, procura patentear uma atitude de distanciamento crítico e irónico, embora nela colabore, o que permite antecipar a sua face hipócrita, unindo-se a D. Miguel e a Principal Sousa, no sentido de conservar o seu posto de marechal no exército e a tença anual que lhe é paga para o comandar, e embora, tal como D. Miguel, odeie o general, pelos motivos acima referenciados.
As suas intervenções, nos diálogos travados com as demais personagens, denunciam um homem calculista, perspicaz, prático, objectivo, materialista e ambicioso, um mercenário, em suma: «Pretendo uma coisa de vós: que me pagueis - e bem!» (pág. 58). Já o diálogo mantido com Matilde retrata-nos um Beresford egoísta, insensível e frio, que não se deixa comover pelas súplicas desesperadas da companheira do general; pelo contrário, uso com ela uma linguagem trocista, irónica e arrogante, que se destina a agredi-la moralmente e a humilhá-la.
À semelhança de D. Miguel, Beresford apresenta-se como uma personagem maquiavélica, ou seja, alguém para quem os fins justificam os meios. Dito de outro forma, a condenação de Gomes Freire - a condenação de um inocente - almeja a conservação do seu poder, da sua tença, do seu prestígio e dos seus privilégios.

sábado, 10 de abril de 2010

Katie Melua: «If You Were A Sailboat »



Katie Melua não é «roqueira», é sobretudo melódica. Fez-se notar no mundo da música com «Crazy» e, desde então, o número de sucessos não tem parado.

Depois de Susanna Hoffs, das Bangles, Melua. Além de cantarem bem, são lindíssimas!

Os delatores: Vicente

Vicente integra o grupo dos traidores e delatores, o equivalente aos «bufos» da época do Estado Novo. Este grupo move-se pela conveniência, isto é, representa todos aqueles que se aproximam do Poder para obter favores e que não têm qualquer pejo em se vender aos governantes. São, no fundo, os verdadeiros traidores que não têm qualquer ética ou valores morais e que passam impunes, alcançando os seus objectivos.

Vicente é, na peça, o maior representante desta «classe». Ele é um elemento do povo / popular que se encontra descontente, frustrado e revoltado com a sua condição social, revelando vergonha pelas suas origens. O modo que encontra para ultrapassar a sua condição e o seu sentimento de inferioridade passa pela ascensão político-social rápida, obtida através da denúncia e da traição. No seu percurso, marcado por várias etapas - provocador e agitador (início do acto I), procurando denegrir a imagem do general; espião (vigia a casa de Gomes Freire); delator (denuncia o general, acto pelo qual espera uma recompensa); acusador (confirma a existência das reuniões e indica o nome dos conspiradores) - , ficam bem patentes as suas características mais marcantes: a hipocrisia, o servilismo, a adulação, o materialismo, o oportunismo dos que não olham aos meios para atingir os seus fins. No diálogo entabulado com os governadores, nomeadamente com D. Miguel, demonstra todo o seu calculismo e hipocrisia, visto que as respostas que dá ao governador são, inicialmente, suficientemente dúbias até ter a certeza da sua posição em relação ao general. Por outro lado, de acordo com as suas próprias palavras,. acredita unicamente em duas coisas: no dinheiro e na força.

Após a denúncia e condenação de Gomes Freire, Vicente é recompensado pelos seus «bons» serviços ao ser promovido a chefe da polícia, afinal a sua grande ambição, passando, a partir daí, a ignorar e maltrartar os seus conhecidos e os da sua classe social: "Olhou para mim como se nunca me tivesse visto. Estendi-lhe a mão e deu-me uma cacetada na cabeça.".

sexta-feira, 9 de abril de 2010

Populares

O povo / os populares configura(m) uma personagem colectiva relevante na peça, como não poderia deixar de acontecer.
O povo não possui qualquer poder nem um líder - embora deposite enormes esperanças no general -, o que faz com que surja na peça oprimido e completamente indefeso.
O seu espaço privilegiado é a rua, retrato da sua miséria - fome, desemprego, ausência de habitação condigna ["Tens sete filhos com fome e com frio e vais para casa com as mãos a abanar. (...) E tu, qu enão comes desde ontem (...) Nenhum de vocês tem um tecto que os abrigue no Inverno, nenhum de vocês tem onde cair morto (...)"] -, da ignorância, da opressão e do terror, da desilusão e ausência de perspectivas.
Não obstante, o povo tem um grande sentido de justiça e de dignidade e uma elevada consciência. À semelhança do que sucede com Manuel, vê no general Gomes Freire o libertador da opressão, do medo e da miséria em que vive, daí não ser de estranhar o desespero e a desilusão que o assalta quando toma conhecimento da sua prisão e posterior condenação à morte.

Por outro lado, esta personagem desempenha diferentes funções ao longo da peça:
  1. Coro, dado que as suas falas têm o valor de informação ou comentário dos acontecimentos;
  2. Inicia os dois actos, estabelecendo, no I, a ligação entre a acção e o espectador e relatando, no II, a prisão de Gomes Freire e o desespero de Matilde;
  3. Situa o espectador no tempo histórico, através das suas interrogações ("Onde aprendeu vocessemecê isso? Em Campo d'Ourique - já lá vão dez anos..." - pág. 18);
  4. No acto II, as falas populares revestem o carácter de informação / comentário sobre os episódios ao nível da acção dramática: "Passaram toda a noite a prender gente por essa cidade..."; "É por pouco tempo, amigo, espera pelo clarão das fogueiras..." (pág. 80).
Em suma, o povo é uma personagem colectiva que representa o «grupo dos deserdados pela sorte e pelo berço», dos que servem e são explorados, que recebem esmola e são tratados indignamente pela classe dominante, que trabalham e são explorados.

Manuel

A primeira personagem a ocupar a cena é Manuel, apresentado na didascália que «informa» sobre as personagens da peça como «o mais consciente dos populares». De facto, a personagem está plenamente consciente da situação que a rodeia, marcada pela miséria, pelo medo, pela ignorância, pela repressão, pelo autoritarismo.
As suas vestes denunciam, desde logo, a miséria em que vive e que é extensível ao resto da classe a que pertence. Por outro lado, as atitudes revelam a impotência para alterar a situação vivida, bem como um certo conformismo e resignação, não obstante a esperança inicial depositada no general Gomes Freire de Andrade. Exemplo deste estado de espírito é o início paralelo dos dois actos da peça, em que nos surge um Manuel interrogando-se: «Que posso eu fazer? Sim, que posso eu fazer?».
Logo no início da peça, concretamente no seu monólogo inicial, Manuel denuncia o sacrifício do orgulho nacional, vítima das invasões francesas, da opressão dos militares ingleses e da ausência do rei no Brasil, fugido precisamente em resultado daquelas.
Após a prisão do general, fica profundamente desalentado, compartilhando da falta de ânimo popular perante aquele ambiente de repressão e medo, aparente insuperável.

Paralelismo histórico-metafórico

Resumo da peça

Nas ruas de Lisboa, um grupo de populares manifesta o seu descontentamento relativamente à situação miserável em que vive. Um Antigo Soldado, que agora também faz parte do grupo, menciona o nome do general Gomes Freire de Andrade, ao qual tece grandes elogios.
Vicente, um dos populares e simultaneamente um traidor da sua classe, contra-argumenta com o Antigo Soldado de modo a denegrir a imagem do general. A discussão é interrompida pela chegada da polícia, que faz dispersar os populares e traz ordem para levar Vicente à presença de D. Miguel Forjaz, um dos governadores do reino. Em conversa com o governador, Vicente aceita vigiar a casa de Gomes Freire e apresentar os nomes dos responsáveis por uma conspiração que se pressente.
O principal Sousa e o marechal Beresford, representantes, no governo, da Igreja e do exército britânico, respectivamente, consideram fundamental, tal como D. Miguel, encontrar o nome de um responsável pela conjura, cuja prisão e execução sirva de exemplo a futuras contestações à governação do reino. Ajudados por Vicente, Andrade Corvo e Morais Sarmento (estes últimos elementos do exército que ambicionam dinheiro e promoção), os governadores ouvem finalmente o nome de Gomes Freire associado à conspiração (fim do Acto I).

O general e outros conspiradores são presos em S. Julião da Barra, facto que destrói todas as expectativas do povo e permite a promoção dos delatores.
Matilde de Melo, companheira de Gomes Freire, e Sousa Falcão, amigo do casal, fazem tudo o que está ao seu alcance para o salvar. Assim, Matilde humilha-se e pede a Beresford clemência para o marido, mas o marechal inglês mantém-se irredutível. De seguida, procura, em vão, apoio nos populares, estropiados e famintos, responsabilizando-os pela prisão do marido. Informada por Sousa Falcão da situação degradante em que Gomes Freire se encontra, vai, juntamente com o amigo, solicitar a intervenção de D. Miguel, mas o governador nem os recebe em sua casa. A última esperança de Matilde passa a residir no representante da Igreja, o principal Sousa, mas também este considera que os fins justificam os meios e que as razões de Estado se sobrepõem às razões individuais. Deste modo, Matilde assiste à morte do marido e assume a continuação da luta pela liberdade [“Aquela fogueira (...) há-de incendiar toda a terra”], e o seu grito “Feliz-mente há luar...”, a frase final da peça, constitui um apelo dirigido ao povo, que deverá ver na morte de Gomes Freire o incentivo capaz de conduzir à rebelião contra a tirania e a opressão.

Estrutura Externa

A peça é constituída por dois actos, que não estão divididos em cenas. Estas são sugeridas pelo movimento das luzes, que vão remetendo para espaços diferentes e dando conta da entrada e saída de personagens. Pode-se, contudo, tentar gizar quadros em que as personagens monologam ou dialogam, marcando as suas entradas ou saídas de cena.

Estrutura Interna

 
(c) Aula Viva - Português A - 12.º Ano (Porto Editora) 

quarta-feira, 7 de abril de 2010

Roy Orbison: «Mistery Girl»



Roy Kelton Orbison (23 de Abril de 1936 – 6 de Dezembro de 1988) foi um cantor, compositor e músico americano, originário do Texas, onde viveu os primeiros anos de vida e começou a cantar, num estilo «rockabilly» / «country».
Durante os anos 60 do século que nos viu nascer, Orbison alcançou enorme sucesso, tendo vinte e duas das suas canções atingido o Top Forty, incluindo temas imortais como «Only the Lonely», «Crying» (mais tarde re-cantado com K. D. Lang) e «Pretty Woman» (recuperado no filme com o mesmo título, protagonizado por Julia Roberts e Richard Gere, de 1990).
Durante os anos 70, a sua carreira estagnou, para regressar em força nos anos 80, tendo, em 1985, lançado o álbum (na época, o CD, o DVD, etc., eram ficção científica) «Class of '55», com Jerry Lee Lewis, Johnny Cash e Carl Perkins. Em 1989, foi lançado «Mistery Girl», um álbum póstumo que incluía o tema hoje proposto e que consolidou o estatuto de Roy Orbinson, falecido a 6 de Dezembro do ano anterior, de ataque cardíaco, depois de um dia passado com os filhos a lançar pequenos modelos de aviões. Tinha 52 anos.

terça-feira, 6 de abril de 2010

Funções das didascálias

À semelhança de qualquer peça de teatro, Felizmente há Luar! apresenta dois textos paralelos: um constituído pelas falas das personagens e outro, mais extenso e minucioso do que é habitual, de carácter descritivo, analítico e, por vezes, judicativo. São as chamadas didascálias ou indicações cénicas.
Nesta peça, o texto secundário - as didascálias - surge sob duas formas: acompanhando e comentando as falas das personagens, constituindo uma espécie de nota de rodapé lateral a essas mesmas falas; embricado no discurso directo, em itálico e entre parêntesis, constituído por indicações menos longas e mais incisivas.
Estamos na presença de um texto extremamente rico e que consubstancia um conjunto de precisosas indicações de trabalho para actores, encenadores, directores de actores e para o próprio leitor.

Em síntese, as didascálias funcionam na peça como:
  • indicação do nome da personagem antes de cada fala;
  • indicação da saída ou entrada de personagens;
  • explicações do autor ("O público tem de entender, logo de entrada, que tudo o que se vai passar no palco tem um significado preciso. Mais: que os gestos, as palavras e o cenário são apenas elementos duma linguagem a que tem de adaptar-se." - pág. 15);
  • referências aos adereços que compõem o espaço cénico;
  • referência à posição das personagens em cena ("Ao dizer isto,  a personagem está quase de costas para os espectadores." - pág. 16);
  • indicação das pausas: "pausa" (pág. 16);
  • caracterização do tom de voz das personagens e suas flexões ("Muda de tom de voz." - pág. 16; "Volta ao seu tom de voz habitual." - pág. 16; "O tom é irónico." - pág. 17);
  • apresentação da dimensão interior das personagens ("O gesto é lento, deliberadamente sarcástico." - pág. 17);
  • ilações que funcionam como informações e como forma de caracterização das personagens ("Fala com entusiasmo. Vê-se que Gomes Freire é o seu herói." - pág. 20);
  • indicações sonoras ou ausência de som ("Começa a ouvir-se, ao longe, o ruído de tambores." - pág. 17; "Este silêncio é pesado." (pág. 21);
  • expressão fisionómica dos actores ("As personagens olham para as mãos e para os lados..." - pág. 21; "O antigo soldado encolhe os ombros." - pág. 22);
  • movimentação cénica das personagens ("Ao falar da cara, levanta-se, assumindo a posição dum senador romano." - pág. 27);
  • sugestão do aspecto exterior das personagens ("Beresford vem fardado. A farda, ainda que regulamentar, não é espaventosa e está um pouco usada." - pág. 41);
  • indicações aos actores ("... Quando passa dum para o outro, os seus gestos devem ser rápidos e enérgicos para que o público compreenda o que se está passando."  - pág. 78);
  • expressão do estado de espírito das personagens e a sua evolução ao longo da cena: tristeza, esperança, medo, desânimo, etc., dos oprimidos; sarcasmo, ironia, escárnio, indiferença, galhofa, adulação, desprezo, irritação, etc., dos opressores.

Apresentação da obra

1. Características genéricas da peça:
a) Publicação: 1961.
b) Estrutura: a peça é constituída por dois actos e não está dividida em cenas.
c) Particularidades: o paralelismo entre o tempo da acção (séc. XIX) e o tempo da escrita (década de 60 do séc. XX) permite ao autor denunciar indirectamente o totalitarismo e a violência do Estado durante a ditadura de Salazar, através do recurso à distanciação histórica.
d) Tema:
-» explícito: a rebelião e a condenação à morte do General Gomes Freire de Andrade, acusado de conspirar contra o Estado durante o período que antecede o Liberalismo (séc. XIX);
-» implícito: a luta intemporal do ser humano contra a tirania, a opressão e todas as formas de perseguição.
e) Classificação: drama narrativo.
f) Motivo de censura: a peça denucia a hipocrisia da sociedade e defende valores como a liberdade e a justiça social - por isso, foi proibida pela censura da ditadura.
g) Representação:
-» Portugal: apenas após o 25 de Abril, em 1978, no Teatro Nacional;
-» representação anterior, em França, em 1969.
2. O carácter dual da peça
. Em Felizmente há Luar!, a evocações de situações e de personagens do passado serve de pretexto para falar da época em que a peça foi escrita (1961). Através da máscara do passado, o espectador é levado a reflectir sobre a realidade ditatorial:
-» dois tempos:
---» 1817: tempo da história: o Regime Absolutista;
---» 1961: tempo da escrita: o Regime ditatorial de Salazar.
. A estrutura externa é dual:
-» dois actos:
---» Acto I: Apresentação da situação;
---» Acto II: Desenlace trágico.
. O primeiro acto apresenta-se como de natureza épica e o segundo de natureza dramática.
. Elemento estruturador da acção -» Gomes Freire de Andrade:
» é odiado pelos governadores;
» é amado pelo povo;
» origina a sequência de episódios da peça;
» é o símbolo da luta pela Liberdade e pela Justiça;
» atrai a admiração e a esperança do povo oprimido;
» atrai a desconfiança e o ódio dos governadores detentores do poder;
» a sua condenação e a sua execução são o cerne das conversas e condicionam o comportamento das restantes personagens.

quinta-feira, 1 de abril de 2010

Plano Nacional de Leitura

Rafael Pereira, aluno do 9.º A da Esc. Sec. de Figueira de Castelo Rodrigo, venceu a fase distrital do Concurso Nacional de Leitura.
O evento decorreu no passado domingo, 28 de Março, em Gouveia.