terça-feira, 23 de março de 2010

Centenário de Akira Kurosawa

Há 100 anos, em 23 de Março de 1910, nascia em Tóquio Akira Kurosawa, o mais conhecido realizador de cinema japonês. Durante décadas, Kurosawa foi vinculado ao Ocidente, por uma suposta “desjaponização” do seu cinema – dizia-se que ele estava mais preocupado em levar os seus trabalhos para fora das fronteiras nipónicas do que em se ater a reflexões sobre o próprio território. Facto é que, mais que um fenómeno japonês, o trabalho de Kurosawa influenciou cineastas dos mais diferentes países, épocas e tendências.

A primeira produção do cineasta a destacar-se para além das fronteiras do Japão foi “Rashomon”, em 1950. Apesar de “Citizen Kane”, de Orson Welles, ter estrutura semelhante e ter sido visto quase dez anos antes, o filme de Kurosawa chamou à atenção pela ideia de um mesmo facto ser narrado sob variados pontos de vista – inclusive o de uma personagem morta. Misturando a narrativa ousada com o universo dos samurais e uma atmosfera sombria caracterizada por chuva e morte, o cineasta fez crer que o Japão tinha talentos nos quais se deveria atentar. Se Kenji Mizoguchi, Yasujiro Ozu e Masaki Kobayashi, entre tantos outros, já dirigiam há décadas no país, finalmente eles começariam a receber o olhar “estrangeiro”.



Nenhum deles, porém, teria o impacto de Kurosawa nas plateias de fora. Um filme atrás do outro, o realizador começou a influenciar desde os faroestes americanos (“Sete Homens e um Destino” é refilmagem explícita de “Os Sete Samurais”) aos italianos (“Por um Punhado de Dólares”, que revelou tanto Sergio Leone quanto Clint Eastwood, é uma ‘refilmagem’ de “Yojimbo”), passando por produções de ficção científica (George Lucas nunca escondeu ter-se inspirado em “A Fortaleza Escondida” para desenvolver seu primeiro “Star Wars” nos anos 70).

A influência de Kurosawa no Ocidente era tamanha que, quando o realizador, fatigado mentalmente, tentou matar-se e não conseguiu, em 1971, foram realizadores americanos e festivais europeus que vieram em seu socorro para que ele não deixasse o cinema de lado. O Festival de Cannes premiou-o com a Palma de Ouro por “Kagemusha”, em 1980, e o cineasta Martin Scorsese produziu “Sonhos” em 1990 – no qual também faz um pequeno papel.

A tentativa de suicídio acabou por dar um novo rumo a Kurosawa. Apesar de obras-primas terem sido feitas anteriormente, como “Trono Manchado de Sangue”, foi depois da morte malograda que vieram os épicos monumentais, casos de “Ran” e “Kagemusha”, e trabalhos de profunda inspiração intimista, entre eles “Dersu Uzala” e “Madadayo”.

Tanto se assistiu e se falou em Akira Kurosawa nesses anos todos que a sua obra jamais correu o risco de cair no esquecimento. É um cineasta fundamental, não apenas pelo seu trajecto entre Oriente e Ocidente (levando para lá códigos específicos de cá e trazendo para cá elementos tradicionais de lá), mas por abrir caminhos para outros nomes de um mesmo universo de criação. Uma obra plena, a ser celebrada, especialmente em data tão significativa como este primeiro século do nascimento do realizador.