. Análise do poema «Não sei, ama, onde era»:
- Tema: o desejo de fugir aos limites do «eu», impostos pela realidade, substituída pelo sonho, pelo desejo do imaginado.
- Assunto: narrativa de um sonho - era Primavera, o céu era azul e o sujeito poético estava num jardim de flores coloridas.
-----O poema assenta num certo tom dramático, dado estarmos perante um diálogo entre duas personagens em presença: uma delas é o sujeito poético (feminino) e outra é a sua ama, sendo visível uma relação de afectividade, de carinho e de comunicação mútua. A primeira representa o mundo da infância (discussão do sonho de ter sido feliz) e a segunda representa o mundo da idade adulta (a consciência da idade adulta, unida à dor de pensar e à perda).
-----À dúvida inicial do sujeito poético («Não sei, ama...»), fica apenas uma «meia-resposta», em torno da localização temporal (era Primavera, símbolo da infância) e espacial (o «jardim do rei», metáfora do Paraíso.
-----Outro elemento do sonho é o céu azul, símbolo da infância e ligado à ideia de pureza (note-se a reiteração três - número da perfeição - vezes do adjectivo «azul», intensificando assim a cor). Por outro lado, o sujeito poético «apresenta-se» como «rainha», associada a um certo poder e ao centro das atenções («... era tudo meu...»).
-----O jardim (símbolo do Éden) tinha flores (símbolo da beleza e da sensibilidade) de variadas cores (representando a diversidade, a alegria e a felicidade), no entanto o «eu» pensa (o verbo «saber» remete para o pensamento e para a ausência de espontaneidade) e «chora», sinal de dor e tristeza. Porquê? Por um lado, estamos, novamente, perante a temática da dor de pensar; por outro, estamos na presença da dor pela infância perdida e irrecuperável. A terceira resposta da ama às angústias da jovem é reveladora: os sonhos são dores, porque trazem consigo a desilusão e a frustração provocadas pela impossibilidade da sua concretização. A resposta seguinte traduz uma dose acentuada de fatalismo existencial («o resto é morrer»), bem como a consciência da efemeridade da vida.
-----A finalizar o poema, o sujeito poético dirige à ama um pedido: «Conta-me contos, ama...». Ora, o imperativo «conta» traduz o pedido da jovem para continuar a sonhar, enquanto os contos alimentam os sonhos dela, num desejo de recuperação da felicidade (infância) perdida, da magia, do mistério, do mundo encantado da infância.
-----Este poema integra-se na vertente lírica tradicional da obra pessoana:
- O diálogo entre a jovem e a ama, sua confidente;
- A referência aos contos de fadas / histórias de cantar;
- Os elementos dos contos tradicionais: reis / rainhas, jardim encantado, flores...;
- Os apartes parentéticos no fim de cada estrofe (relembra a poesia medieval);
- A estrutura formal.