domingo, 10 de janeiro de 2010

Uma crise diferente

Esta pérola vem das últimas férias de Verão e só vem provar que, também no Alentejo, se consegue ser criativo em termos de técnicas de «venda».

Ou como um matrimónio pode ficar caríssimo.

Aula 30

. Análise de extractos da «Ode Triunfal»
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---Identificação com as máquinas
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-----O sujeito poético procura identificar-se com as máquinas, identificação que se traduz num «amor» desesperado (“Como eu vos amo… Com os olhos e com os ouvidos e com o olfacto / E com o tacto… / E com a inteligência…” – vv. 86-91). Ele quer penetrar tudo, ser penetrado por tudo (“Ah não ser eu toda a gente e toda a parte!”). Este facto traduz uma atitude sensacionista de “ser tudo de todas as maneiras” do sujeito poético, pois quer sentir tudo e identificar-se com tudo, procurando daí retirar o máximo de sensações possível.
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---Novo ideal de arte
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Álvaro de Campos, na «Ode Triunfal», põe em prática o que havia teorizado nos seus Apontamentos para uma estética não aristotélica (revista "Athena", números 3 e 4). De acordo com a concepção de Aristóteles, a arte / a estética assentava nas ideias de beleza, de perfeição, de equilíbrio, do agradável. Na esteira de Walt Whitman, o heterónimo de Pessoa apresenta uma nova concepção, sustentada nos seguintes princípios:

  • assenta nas ideias de força, dinamismo, energia explosiva, volúpia da imaginação;
  • o sentir predomina em relação ao pensar, por isso o importante não é a beleza dos maquinismos em si mesmos, mas as sensações que eles despertam e o modo como se codificam, ao nível da expressão, essas sensações;
  • não é a beleza da harmonia clássica saída da inteligência que cativa o «eu», mas a força caótica e explosiva produto de uma emotividade individual desordenada e caótica, de um subconsciente em convulsão;
  • daí que Campos queira transformar-se na realidade excessiva que o cerca e cantar tudo “com um excesso / De expressão de todas as (…) sensações com um excesso contemporâneo” das máquinas (vv. 26 a 32).

-----Por outro lado, Álvaro de Campos procura fazer corresponder o nível da expressão ao nível do conteúdo: as manifestações da dinâmica da vida moderna são apresentadas de forma desordenada, em catadupa, sugerindo assim o movimento das máquinas e a pressa de usufruir de tudo. Neste enquadramento, há a referir também o recurso ao verso livro, a construção de um estilo torrencial, espraiado em versos de duas ou três linhas, a catadupa de anáforas, exclamações, enumerações, interjeições, etc.
-----Um pouco à semelhança de Cesário Verde, Campos inova ao conferir poeticidade a temáticas não usuais: máquinas, motores, fábricas, energia, matéria, força, através de uma linguagem carregada de substantivos concretos e abstractos, fonemas substantivados (r-r-r-r-r-r-r…), topónimos (Panamá, Kiel…), antropónimos (Platão, Virgílio…), estrangeirismos (souteneur, foule…), tipos de letra variados (vv. 5, 72, 238), maiúsculas desusadas (Prodígio, Sol…), adjectivação expressiva, de figuras de estilo (polissíndetos, metáforas, anáforas, apóstrofes, enumerações, personificações, sinestesias, perífrases, trocadilhoes, reiterações, gradações, comparações, aliterações…), de neologismos (passante), formas verbais variadas, advérbios expressivos (estridentemente, exageradamente…), gerúndios (rangendo, sorrindo), interjeições (ah, hilla, eia), rimas internas (vv. 24, 25, 70, …) e onomatopeias (ciciar, up-lá ôh…).

---A denúncia do lado negativo da civilização industrial:

  • a desumanidade;
  • a corrupção;
  • a mentira;
  • a imoralidade;
  • a pobreza e a miséria;
  • a falta de higiene;
  • a hipocrisia;
  • os falhanços da técnica (desastres, naufrágios, desabamentos...);
  • a prostituição de menores;
  • a guerra;
  • Campos chega mesmo a prever o fim / a substituição da civilização industrial (vv. 204-206).

---A temática da infância: entre os versos 181 e 189, numa estrofe parentética, Álvaro de Campos retoma um tema comum ao ortónimo e aos heterónimos - a infância -, que surge mais uma vez como a idade perfeita, um espaço de liberdade, de não-pensamento, de felicidade, no que se opõe ao presente. Nos versos citados, a infância surge representada por diversos elementos: a nora, o quintal, a casa, os pinheiros, o burro - animal significativo que representa a ausência de pensamento / racionalidade.

---A linguagem erótica e o masoquismo: Álvaro de Campos relaciona-se com o mundo do progresso industrial e mecânico através de uma linguagem evocadora de um certo erotismo. Basta atentar nos seguintes exemplos: "Amo-vos carnivoramente, / Pervertidamente..." (vv. 105-106); "Completamente vos possuo como a uma mulher bela...".
-----Por outro lado, essa linguagem tem um sentido profundamente masoquista: “Eu podia morrer triturado por um motor…” (v. 134).

---No que diz respeito a influências, a «Ode» evidencia a presença do futurismo de Marinetti (Campos canta as máquinas, os motores, a velocidade, a civilização mecânica e industrial, …) e do sensacionismo de Walt Whitman (Campos canta a civilização moderna industrial, mas, mais do que os objectos - as máquinas, os motores, etc. -, o que ele busca são as sensações que eles lhe provocam, num desejo de sentir tudo de todas as maneiras).

. Visionamento da 2.ª parte do filme «O Homem que Matou Liberty Valance».