sábado, 10 de julho de 2010

The end is near

Uma reflexão

          Terminada a primeira fase dos exames nacionais e entregue o portefólio referente ao curso de formação - novos programas de Português do ensino básico -, sobram, finalmente, uns minutinhos para reflectir sobre o exame do 12.º ano.
          Sobre o enunciado propriamente dito, nada de extraordinário a reportar, tendo presente que a estrutura é semelhante à dos últimos anos.
          A primeira dificuldade do questionário respeitante ao texto A residia na obra seleccionada: Os Lusíadas. Para muito alunos, a linguagem de Camões continua de tão difícil descodificação quanto no 9.º ano, mesmos aos 17 / 18 anos, mesmo quando parte do excerto foi lido na aula. Por outro lado, as respostas ao questionário em pouco ou nada dependiam do conhecimento da obra.
          A resposta à pergunta B implicava um conhecimento mínimo de Memorial do Convento, no entanto quem não leu a obra dificilmente terá dado uma resposta com «cabeça, tronco e membros».
          Sobre o exercício de leitura de escolha múltipla, escuso-me a tecer comentários, pois não me parece que faça qualquer sentido esta tipologia de questões.
          Relativamente à gramática, os exercícios pouco ou nada têm de gramaticais. Ou são despropositados (a pergunta sobre modos e tempos verbais; as questões sobre léxico quando não era isso que se pretendia avaliar) ou não correspondem a nada. Dito de outra forma, as perguntas de gramática não avaliam conhecimentos gramaticais, para mais quando vêm embrulhadas num linguajar complexo.
          O grupo III... Muita boa gente se pronunciou contra o tema por achar que não fazia sentido e que os alunos não seriam capazes de... De facto, o tema, tendo em mente que estaríamos na presença de um texto argumentativo, não era propriamente adequado a esta tipologia. Todavia, se os alunos tivessem parado quinze minutos para ler atentamente o enunciado e pensar nos dois argumentos e nos dois exemplos; tivessem preparado, na folha de rascunho, um pequeno plano, sob a forma de tópicos, e só depois passassem à redacção do texto, outro galo cantaria. Como, porém, «isso» dá trabalho e é uma «seca», vamos lá fazer de conta que somos Eças e escrevamos o texto à primeira, esquecendo que Eça escrevia, reescrevia, reformulava vezes sem conta até se dar por minimamente satisfeito.
          Por último, há a questão da capacidade de escrita, que, no fundo, é um dos elementos decisivos entre um nove ou um dez e um treze ou catorze. Porém, quanto a isso, mais do que um bom professor, o fundamental é ler muito e desde tenra idade.

          O GAVE tem procurado, incessantemente, alcançar a objectividade no processo de correcção dos exames de Português, pelo que introduziu, há uns anos, os descritores de desempenho. Seria mais adequado, nesta demanda da objectividade, que o exame fosse todo constituído por perguntas de escolha múltipla e associação. Caricatura à parte, convém dizer que  os descritores de desempenho não impediram a subjectividade, visto que não cobrem todas as formulações dos alunos (como seria de prever), por um lado, e se prestam eles próprios à subjectividade, por outro. Basta ler os descritores referentes à primeira pergunta para se extrair esta conclusão.
          Depois, há a questão das diferenças de correcção do mesmo corrector e entre correctores. Todos sabemos que a correcção de uma pergunta iniciada de manhã e continuada à tarde não é efectuada da mesma maneira pelo mesmo corrector. Há estudos que apontam, neste processo, para um desvio padrão de 1, 2 valores. No que diz respeito à comparação entre correctores, uns «aceitam» tudo e outros são extremamente rigorosos.

          Para finalizar, tendo em conta todos estes dados e outros que se tornaria fastidioso enumerar, um conselho a todos os alunos: vão à 2.ª fase. Porquê? Entre outras razões, há a considerar que o «espírito de correcção» é muito mais suave. Desde que vi, em plena praia, a alguns metros, um sujeito qualquer a corrigir (isto é, a reapreciar) provas de exame de Matemática em cima do areal, nada mais me surpreende. Assim sendo, vão, deitem o barro à parede e logo se vê. Não é um grande conselho nem são brilhantes os argumentos, mas é o ensino que vamos tendo.