sábado, 30 de janeiro de 2010

Somos - alunos e professores - assim tão maus?

-----Um estudo do professor e técnico de educação Vasco Graça  vem comprovar que muitos dos pseudo-factos que se apresentam como verdades absolutas (passe o pleonasmo) sobre a qualidade do sistema educativo português, propagadas pela generalidade dos «media», constituem falácias.
-----O estudo é relativamente extenso, por isso permito-me deixar o «link» relativo ao estudo e duas ou três citações nele contidas:

  • "Existe uma associação positiva entre o desempenho médio dos alunos de cada país e o rendimento nacional ou o gasto por aluno nesse país. Se ajustássemos o desempenho médio de cada país àquele que seria de esperar se as condições sociais e económicas fossem médias, Portugal melhorava substancialmente a sua posição relativamente aos restantes participantes. (Gabinete de Avaliação Educacional, 2004)";

  • "Os dados do PISA parecem assim indicar que, dentro dos condicionalismos sócio-económico-culturais existentes em Portugal, a escola portuguesa realiza uma acção meritória, designadamente na sua capacidade de valorizar a aprendizagem dos alunos, sobretudo quando estes têm um ESEC mais desfavorável.";

  • "Parece admissível considerar que, neste caso, a escola portuguesa intervém bastante melhor do que a sua congénere inglesa." (esta afirmação é produzida no contexto de um estudo comparativo da situação portuguesa com a de outros países, nomeadamente a Inglaterra).
(c) Graça, Vasco, "Sobre o financiamento da Educação: condicionantes globais e realidades nacionais", in Revista Lusófona de Educação, 2009, 13, 49-80

quinta-feira, 28 de janeiro de 2010

Infâmia: AUSCHWITZ!

Para que nunca se esqueça: 27 de Janeiro de 1945, dia em que foi encerrada a máquina de morte de AUSCHWITZ!

Aula 34

. Devolução dos planos do texto de reflexão.


. Análise do poema "O dos Castelos".
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-----"O dos Castelos" é o primeiro poema de Mensagem, estando por isso inserido na primeira parte da obra, intitulada "Brasão" e, dentro desta, numa subparte, designada "Os Campos". O campo é a parte inferior do escudo nacional e tem duas partes: a dos Castelos e a das Quinas. Daqui surge o nome do poema: O (Campo) dos Castelos. Recordar que o outro poema que integra este primeiro «andamento» de Mensagem se intitula O (Campo) das Quinas.
-----Neste poema, Fernando Pessoa descreve a Europa e descreve-a como um ser feminino deitado sobre os cotovelos, fitando (ter presente a diferença semântica entre «olhar» e «fitar») «De Oriente a Ocidente», com «românticos cabelos» (que representam a herância cultural do Norte da Europa) e «olhos gregos» (que simbolizam a herança cultural do Sul europeu, a herança cultural grega). Por esta descrição, é fácil detectar a personificação da Europa, que se estende por toda a composição poética. Por outro lado, convém atentar na expressividade do verbo «jazer», que significa «estar deitado», mas também «estar morto ou como morto». Ora tal pode significar uma alusão à necessidade de despertar, de uma certa letargia, o continente europeu e conduzi-lo na senda da construção de um novo império. Seria interessante reflectir sobre o chamado projecto europeu (Comunidade Europeia) e num certo adormecimento da sua construção, bem como sobre as esperanças depositadas no Tratado de Lisboa.
-----A segunda estrofe começa por reflectir a disposição dos cotovelos: o esquerdo é representado pela Itália, enquanto o direito pela Inglaterra. Tal disposição reitera o que foi dito acerca dos cabelos e dos olhos, isto é, remete para as raízes culturais europeias: o Norte e o Sol, a cultura romântica e a cultura greco-latina.
-----Os versos 9 e 10 retomam a forma verbal «fita» e caracterizam o olhar da Europa: «esfíngico e fatal». Esta dupla adjectivação associa, à atitude expectante e contemplativa, as noções de enigma e de mistério (convém rememorar a lenda associada à Esfinge egípcia) com que a figura feminina «fita» o «Ocidente», que representa a sua vocação (da Europa, leia-se) histórica, isto é, o «futuro» que já desvendou no passado e que promete voltar a repetir-se futuramente. Ora, no último verso, Portugal é apresentado como o «rosto» da Europa, onde se situa o «tal» olhar que «fita» o «Ocidente». Associando os dois últimos versos do texto, podemos concluir, neste contexto, que o Ocidente constitui, efectivamente o «futuro do passado» (paradoxo), isto é, o trajecto que conduzirá Portugal a dar cumprimento à missão histórica que «repete» o passado (dos Descobrimentos). Em suma, o país de Camões e do próprio Pessoa será, metaforicamente, a locomotiva que guiará a Europa na senda desse futuro esperançoso.
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. Correcção da ficha de trabalho sobre a conjunção.

. Resolução de um exercício sobre a frase complexa.

quarta-feira, 20 de janeiro de 2010

Aula 33

. Recolha do plano do texto de reflexão.

. Análise do poema «O que há em mim é sobretudo cansaço», através da resolução de uma ficha de trabalho.

. Alusão à poética de Campos: fases; temas centrais; marcas estilísticas; relação com o ortónimo e com os restantes heterónimos...

. Resolução de uma ficha de trabalho sobre a conjunção.

sexta-feira, 15 de janeiro de 2010

Aula 32

. Análise do poema "Esta Velha Angústia".
-----Todo o poema, que se pode inscrever na 3.ª fase poética de Campos, se desenvolve em torno da expressão da angústia do sujeito poético. Logo a abrir, o deíctico demonstrativo esta (repetido em anáfora, nos versos 1 e 2 - de notar como a iteração e a disposição em anáfora têm por finalidade a expressão do estado de alma do sujeito) e o adjectivo qualificativo velha orientam o leitor no sentido dessa temática central.
-----O sujeito poético pretende comunicar que a angústia que o consome é real ("Esta... angústia, / Esta angústia" - vv. 1-2, "este mal-estar" - v. 9) e se vem a desenvolver na profundidade da sua alma ("em mim" - v. 2, "a fazer-me pregas na alma!" - v. 9 - ou seja, que deixou marcas), desde a idade da razão, quando começou a tomar consciência de si ("velha" - v. 1, "que trago há séculos em mim" - v. 2 - notar a hipérbole, para mostrar convicção, enraizamento da angústia).
-----E infere-se que tal acontece desde a idade da razão, desde quando ele tomou consciência de si, em termos racionais, pelo modo como o sujeito se refere à infância (fase da vida anterior à aquisição da consciência, do acto reflexivo; estado de felicidade e ausência de pensamento), nos versos 23 a 28: a apóstrofe à "velha casa" e a sua personificação (v. 23 - e "Quem te diria", v. 24), a adjectivação ("Pobre velha casa", "infância perdida" - v. 23), o deíctico possessivo ("minha infância" - v. 23), as exclamações retóricas (vv. 23, 24), as interrogações retóricas (vv. 25, 26, 28), as construções anafóricas ("Que é", "Que é", vv. 25-26; "Está maluco", "Está maluco", "Está maluco" - vv. 25, 27, 28), o heteromorfismo e heterometrismo do poema, o ritmo e os jogos de sons. Tudo isso se destina a reforçar, a nível da expressão, o seu desabafo, o seu lamento, a sua admiração pelo modo como chegou à situação em que se encontra. Que é do menino da casa? O menino, centro das atenções na casa? - "Está maluco", "Está maluco" (vv. 25, 27, 28), desacolheu-se (v. 24).
-----Agora a vasilha (o coração - relacionar com o verso 38) transbordou (vv. 3, 7 - e note-se a expressividade do período de uma só palavra, no verso 7). A alma do sujeito já não comporta mais angústia. O sujeito já não a controla por mais tempo, não a pode esconder, tem de exteriorizar o que sente e desejar que o "coração de vidro pintado" estale (v. 38). E, em disposição anafórica, o poeta enumera as consequências desse transbordar: lágrimas, grandes imaginações, sonhos, grandes emoções (vv. 4 a 6). É um estado de pré-demência, de indefinição; é "estar entre" (v. 11), "ser quase" (v. 12), "poder ser que..." (v. 13). E repare-se no tom gradativo, na disposição anafórica, na insistência nos demonstrativos «este... Este... Este... Isto» (vv. 11 a 14 - e note-se como o último pronome tem valor indefinido, exprimindo a dificuldade sentida pelo sujeito em exteriorizar o seu estado de alma), nas frases incompletas, exprimindo hesitação, incerteza, ansiedade (repare-se nas reticências). Esse estado de pré-demência que o sujeito vive caracteriza-se, de facto, por um estar entre. De um lado, a consciência, a sensibilidade; do outro lado, a inconsciência, a insensibilidade. Ele considera-se possuído de loucura, mas consciente dessa loucura - o que intensifica tal estado de loucura e o faz sofrer. É assim que o sujeito se encontra (notar os paradoxos, modo de expressão preferencial em certos estados de loucura): «lúcido e louco» (v. 18), «alheio a tudo e igual a todos» (v. 19), «dormindo desperto com sonhos que são loucura / Porque não são sonhos...» (os sonhos não são realidade, enquanto que a sua loucura o é - vv. 17 a 22).
-----Daí ele desejar endoidecer deveras (v. 10), ser um louco com direito a manicómio, reconhecido por todos como louco (como alguém - v. 15), já que à sua loucura ninguém atribui o estatuto de loucura. Ele é louco, mas consciente, quando a loucura pressuporá a inconsciência por que ele anseia.
-----É expressivo o modo como o sujeito designa essa condição de louco com a consciência de que de facto o é: ele diz-se doido a frio (doido com a consciência de que está doido, o que é um modo fora do comum de estar doido). Tal facto deixa antever a existência de quem seja doido a quente. O doido a quente não sente a sua loucura, daí o sujeito afirmar que está entre: o doido a frio que é e o doido a quente (que "é, ao menos alguém" - v. 15) que seria bom que fosse, para não sofrer. E é por isso que o sujeito desabafa: "Mal sei como conduzir-me na vida" (v. 8). E a consciência que o domina e faz sofrer leva-o a ansiar uma outra solução para a sua angústia: o recurso à religião ("Se ao menos eu tivesse uma religião qualquer!" - v. 29). Mas até essa solução é impossível, visto que ele já não possui mais a inconsciência da infância, fase da vida anterior à idade da razão; ele é um homem adulto, louco a frio, vítima do acto reflexivo. Este apego à religião ("uma religião qualquer", v. 29), um manipanso africano (v. 30), ou "Júpiter, Jeová, a Humanidade" (v. 35), seria uma possibilidade de solução para o seu caso, de facto. Só que não será viável. As coisas têm para cada um o valor que por cada um lhes é atribuído (v. 37). E para o sujeito lírico o sobrenatural perdeu o encantamento que é habitual exercer-se sobre pessoas vulgares. Com efeito, a sua racionalidade exacerbada não lhe permite aderir a essa ordem de valores, até porque se encontra descrente de tudo, cansado de tudo; a angústia, a velha angústia de há séculos, que transbordou, tomou conta dele todo. E esta posição de Campos coaduna-se exemplarmente com a data da composição do poema (16/06/1934), muito próxima, na verdade, do final de vida de Pessoa, que se caracterizou pelo abatimento e pelo pessimismo.
-----E para o seu coração de vidro pintado (repare-se na expressividade da metáfora: de vidro, sensível, mas pintado, de transparência oculta, para se não ver como a angústia transbordou) nenhuma possibilidade seria mais natural do que estalar, partir-se (como é referido noutros poemas de Campos e de Pessoa); em suma: destruir-se, desaparecer. Todavia, isso não se encontra na dependência directa da vontade do sujeito, é somente objecto do seu desejo. Daí o recurso ao imperativo e à função apelativa no derradeiro verso do poema: «estala».
-----Todas as demais possibilidades se esgotaram. E enquanto não estala, o coração é responsável pela loucura a frio do sujeito poético e por que ele se encontra entre, quase, a poder ser que... Já nada lhe resta senão aguardar que estale e desejar e apelar a que estale, para que tenha fim a sua angústia, velha angústia, que transbordou, de há séculos.
(c)

. Correcção da ficha de trabalho sobre a frase complexa.

. Elaboração de um plano colectivo de um texto de reflexão sobre a temátida da emigração, tendo em conta que também Álvaro de Campos foi um emigrante (por exemplo, na Escócia).

quarta-feira, 13 de janeiro de 2010

Aula 31

. Recolha do trabalho subordinado ao tema «Quem sou eu?».

. A «Ode Triunfal» e a ruptura com a lírica tradicional.

. Análise do poema "Lisbon Revisited (1923)":
-----O título do poema remete-nos para a presença de Campos na Escócia (?), para a Grã-Bretanha, berço da civilização industrial. Por outro lado, a presença do modo imperativo e da, antigamente, designada função apelativa da linguagem configuram a existência de um discurso supostamente dirigido pelo sujeito poético a um «tu», que se encontra na segunda pessoa do plural («Não me venham...» - v. 3).
-----A ideia de recusa não podia ficar mais clara, dada a insistência em construções negativas sucessivas ("não", "nada"). E o que é que o sujeito poético recusa? Desde logo, as «conclusões», isto é, as certezas, sendo que ele só admite uma: a da morte. Entre os versos 5 e 12 é mais claro: recusa também as «estéticas», a «moral», a «metafísica», as «ciências», as «artes», a «civilização moderna» e a «verdade». Esta postura permite constatar a forma como Álvaro de Campos evoluiu poéticamente, situando-se agora numa terceira fase, bem distante da euforia sensacionista e futurista de exaltação das máquinas e da modernidade, aproximando-se, curiosamente, do posicionamento anti-metafísico de Alberto Caeiro.

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segunda-feira, 11 de janeiro de 2010

Alan Parsons Project: «Let's talk about me»



-----Confesso que já não me lembrava deste tema musical, mas é um exemplo notável dos magníficos 80's, para abordar temáticas hoje na berra: os efeitos nefastos da televisão na vida conjugal, o comodismo, a rotina instalada nas relações amorosas, o machismo, o apagar da chama do amor por falta de combustível, a incomunicabilidade, a falta que uma mulher faz numa residência familiar, a falta de inteligência dos ladrões do século passado...

-----1984, salvo erro... do álbum Vulture Culture.

domingo, 10 de janeiro de 2010

Uma crise diferente

Esta pérola vem das últimas férias de Verão e só vem provar que, também no Alentejo, se consegue ser criativo em termos de técnicas de «venda».

Ou como um matrimónio pode ficar caríssimo.

Aula 30

. Análise de extractos da «Ode Triunfal»
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---Identificação com as máquinas
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-----O sujeito poético procura identificar-se com as máquinas, identificação que se traduz num «amor» desesperado (“Como eu vos amo… Com os olhos e com os ouvidos e com o olfacto / E com o tacto… / E com a inteligência…” – vv. 86-91). Ele quer penetrar tudo, ser penetrado por tudo (“Ah não ser eu toda a gente e toda a parte!”). Este facto traduz uma atitude sensacionista de “ser tudo de todas as maneiras” do sujeito poético, pois quer sentir tudo e identificar-se com tudo, procurando daí retirar o máximo de sensações possível.
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---Novo ideal de arte
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Álvaro de Campos, na «Ode Triunfal», põe em prática o que havia teorizado nos seus Apontamentos para uma estética não aristotélica (revista "Athena", números 3 e 4). De acordo com a concepção de Aristóteles, a arte / a estética assentava nas ideias de beleza, de perfeição, de equilíbrio, do agradável. Na esteira de Walt Whitman, o heterónimo de Pessoa apresenta uma nova concepção, sustentada nos seguintes princípios:

  • assenta nas ideias de força, dinamismo, energia explosiva, volúpia da imaginação;
  • o sentir predomina em relação ao pensar, por isso o importante não é a beleza dos maquinismos em si mesmos, mas as sensações que eles despertam e o modo como se codificam, ao nível da expressão, essas sensações;
  • não é a beleza da harmonia clássica saída da inteligência que cativa o «eu», mas a força caótica e explosiva produto de uma emotividade individual desordenada e caótica, de um subconsciente em convulsão;
  • daí que Campos queira transformar-se na realidade excessiva que o cerca e cantar tudo “com um excesso / De expressão de todas as (…) sensações com um excesso contemporâneo” das máquinas (vv. 26 a 32).

-----Por outro lado, Álvaro de Campos procura fazer corresponder o nível da expressão ao nível do conteúdo: as manifestações da dinâmica da vida moderna são apresentadas de forma desordenada, em catadupa, sugerindo assim o movimento das máquinas e a pressa de usufruir de tudo. Neste enquadramento, há a referir também o recurso ao verso livro, a construção de um estilo torrencial, espraiado em versos de duas ou três linhas, a catadupa de anáforas, exclamações, enumerações, interjeições, etc.
-----Um pouco à semelhança de Cesário Verde, Campos inova ao conferir poeticidade a temáticas não usuais: máquinas, motores, fábricas, energia, matéria, força, através de uma linguagem carregada de substantivos concretos e abstractos, fonemas substantivados (r-r-r-r-r-r-r…), topónimos (Panamá, Kiel…), antropónimos (Platão, Virgílio…), estrangeirismos (souteneur, foule…), tipos de letra variados (vv. 5, 72, 238), maiúsculas desusadas (Prodígio, Sol…), adjectivação expressiva, de figuras de estilo (polissíndetos, metáforas, anáforas, apóstrofes, enumerações, personificações, sinestesias, perífrases, trocadilhoes, reiterações, gradações, comparações, aliterações…), de neologismos (passante), formas verbais variadas, advérbios expressivos (estridentemente, exageradamente…), gerúndios (rangendo, sorrindo), interjeições (ah, hilla, eia), rimas internas (vv. 24, 25, 70, …) e onomatopeias (ciciar, up-lá ôh…).

---A denúncia do lado negativo da civilização industrial:

  • a desumanidade;
  • a corrupção;
  • a mentira;
  • a imoralidade;
  • a pobreza e a miséria;
  • a falta de higiene;
  • a hipocrisia;
  • os falhanços da técnica (desastres, naufrágios, desabamentos...);
  • a prostituição de menores;
  • a guerra;
  • Campos chega mesmo a prever o fim / a substituição da civilização industrial (vv. 204-206).

---A temática da infância: entre os versos 181 e 189, numa estrofe parentética, Álvaro de Campos retoma um tema comum ao ortónimo e aos heterónimos - a infância -, que surge mais uma vez como a idade perfeita, um espaço de liberdade, de não-pensamento, de felicidade, no que se opõe ao presente. Nos versos citados, a infância surge representada por diversos elementos: a nora, o quintal, a casa, os pinheiros, o burro - animal significativo que representa a ausência de pensamento / racionalidade.

---A linguagem erótica e o masoquismo: Álvaro de Campos relaciona-se com o mundo do progresso industrial e mecânico através de uma linguagem evocadora de um certo erotismo. Basta atentar nos seguintes exemplos: "Amo-vos carnivoramente, / Pervertidamente..." (vv. 105-106); "Completamente vos possuo como a uma mulher bela...".
-----Por outro lado, essa linguagem tem um sentido profundamente masoquista: “Eu podia morrer triturado por um motor…” (v. 134).

---No que diz respeito a influências, a «Ode» evidencia a presença do futurismo de Marinetti (Campos canta as máquinas, os motores, a velocidade, a civilização mecânica e industrial, …) e do sensacionismo de Walt Whitman (Campos canta a civilização moderna industrial, mas, mais do que os objectos - as máquinas, os motores, etc. -, o que ele busca são as sensações que eles lhe provocam, num desejo de sentir tudo de todas as maneiras).

. Visionamento da 2.ª parte do filme «O Homem que Matou Liberty Valance».

quarta-feira, 6 de janeiro de 2010

Aula 29

. Breve análise de um texto informativo (p. 86):

  • elaboração da «Ode Triunfal» em 1914;
  • surgimento de um novo tipo de poesia que espelhava a civilização industrial contemporânea;
  • surgimento do futurismo:
  • autor: Marinetti;
  • origem: França e Itália
  • princípios: luta contra o tradicional; exaltação dos instintos guerreiros; apologia de um Homem novo, insensível, amoral, livre e dominador;
  • Álvaro de Campos discípulo de Marinetti (futurismo) e de Walt Whitman (sensacionismo);
  • 2.ª fase poética de Campos: a vertigem das sensações modernas, da volúpia da imaginação e da energia explosiva;
  • estilo característico da segunda fase poética de Campos: verso livre; estilo esfuziante e torrencial; versos longos (de 2 ou 3 linhas); catadupa de anáforas, exclamações, interjeições, apóstrofes, enumerações e outras figuras de estilo.
. Análise sumária do quadro «Velocidade Abstracta - o Carro Passou», de Giacomo Balla:
-----» Antecipação de sentidos a partir do título:
----------. velocidade e dinamismo;
----------. pintura do domínio do abstracto;
----------. o automóvel;
-----» Tendo presente que um dos princípios centrais do futurismo era a tentativa de captar o movimento e a velocidade, convém realçar, no quadro, desde logo, o que sugere tais princípios. Assim, a cor branca, recordando o título da pintura, remete para a estrada, cuja forma curva e afunilada traduz a passagem do veículo a alta velocidade. Por outro lado, as formas distorcidas - ao contrário das formas marcadas e angulosas, que apontam para a força, para o dinamismo, para o movimento - remetem para a paisagem observada a partir de um carro em grande velocidade. As restantes cores traduzem outros significados: o verde sugere a paisagem, enquanto o azul sugere o céu.

. Análise parcial de «Ode Triunfal»:
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-----A "Ode Triunfal" é o poema que marca o surgimento do heterónimo Álvaro de Campos. Supostamente, foi elaborada em Londres, no ano de 1914, «num jacto e à máquina de escrever, sem interrupções nem emenda», de acordo com o próprio Fernando Pessoa, na carta dirigida a Adolfo Casais Monteiro sobre a génese dos heterónimos. Seja como for, a ode chegou junto do público através do primeiro número do órgão do Primeiro Modernismo, a revista «Orpheu», em 1915.
-----A composição, constituída por 240 versos, inclui-se na segunda fase poética de Álvaro de Campos, a fase do futurismo e do sensacionismo, em que deparamos com um Campos entusiasta do seu tempo de modernidade, de técnica, de progresso, de velocidade, de movimento, na esteira de Marinetti e de Walt Whitman, de quem era discípulo confesso.
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-----O título é bastante sugestivo do conteúdo e significado da ode. Assim, o nome/substantivo «ode», de origem grega, remete para o cântico laudatório de uma pessoa, instituição, ou acontecimento. No caso deste poema, significará um canto de exaltação da civilização moderna industrial. Por sua vez, o adjectivo «triunfal» vem hiperbolizar o significado do nome («ode»), conferindo ao texto uma sugestão de força e exagero. No conjunto, o título traduz uma sensação de triunfo e de monumentalidade, visto que sugere algo de grandioso, quer a nível do conteúdo, quer da forma, o que está em conformidade com o tema da composição poética: o canto de exaltação da modernidade, do progresso, da técnica e dos seus excessos.
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-----No que diz respeito à estrutura interna, o poema é passível de divisão em três segmentos:
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» Introdução (1.ª estrofe):

  • Localização do sujeito poético: engenheiro situado no interior de uma fábrica;
  • Actividade a que se dedica: a escrita ("Tenho febre e escrevo." - v. 2);
  • Estado de espírito do sujeito poético: dor, violência e febre, causadas por sensações contraditórias: a beleza do que o rodeia é dolorosa;
  • Novo conceito de estética: novo conceito de beleza ("totalmente desconhecida dos antigos" - v. 4).

» Desenvolvimento (2.ª - penúltima estrofe):

  • Associação da voz lírica do sujeito poético às máquinas que canta (est. 2 a 4);
  • Explanação entusiástica de múltiplas imagens de vida urbana e moderna (est. 5 a 12);
  • Erotização da relação física do «eu» com a trepidante vida das cidades (est. 13 a 15);
  • Apoteose final (penúltima estrofe).

» Conclusão (último verso):

  • A busca desenfreada de sensações e de identificação com «tudo e todos»;
  • A confissão de um aparente fracasso ("Ah não ser eu..." - cf. advérbio de negação);
  • Tom de ambiguidade e nostalgia ("Ah").

-----Relativamente ao estado de espírito do sujeito poético, surge marcado por um conjunto de características relacionadas com sua vivência do que vê. Assim, apresenta-se como o cantor apaixonado e exaltado da civilização moderna industrial, espantado de novidade, louco de emoção, num estado febril ("tenho febre"), "em fúria fora e dentro de mim", com os "lábios secos" e a "cabeça a arder". Ora, todos estes sentimentos e emoções se devem à forma maravilhada e entusiástica como «observa» o esplendor do progresso e da modernidade, que ama desesperada e pervertidamente.

-----As realidades cantadas são diversas, desde as referentes aos avanços da técnica (grandes lâmpadas eléctricas das fábricas, rodas, engrenagens, maquinismos, ruídos modernos, máquinas, motores, correias de transmissão, êmbolos, volantes, comboios, navios, guindastes, fábricas, etc. etc., etc.), ao que é presente, falado e famoso, passando por aquilo que provoca espanto ( influências europeias, cidades, cafés, cais, gares, barcos, transportes internacionais, bares, hotéis, lugares europeus, ruas, praças, multidão, montras, etc.) e até às que prefiguram o lado negativo da civilização moderna (corrupções políticas, escândalos financeiros e diplomáticos, agressões políticas, regicídios, notícias desmentidas, desastres de comboios, naufrágios, revoluções, alterações de constituições, guerras, invasões, injustiças, violência, etc.).

-----Ainda nas estrofes iniciais do texto, Álvaro de Campos apresenta a sua vida do elemento tempo. Assim, ao contrário de Marinetti, que defendia o apagamento do passado e do presente em relação ao futuro, que seria «tudo», Campos reduz o passado e o futuro a um só tempo: o instante presente (vv. 1-18; 19; 21-22). No entanto, o presente só é possível porque está alicerçado no passado, na base do qual se apoia a construção do futuro; ou seja, passado e futuro ganham significação no presente, no Momento («todo o passado dentro do presente»; «todo o futuro já dentro de nós» - vv. 222-223).

Poema «Ode Triunfal»

À dolorosa luz das grandes lâmpadas eléctricas da fábrica
Tenho febre e escrevo.
Escrevo rangendo os dentes, fera para a beleza disto,
Para a beleza disto totalmente desconhecida dos antigos.

Ó rodas, ó engrenagens, r-r-r-r-r-r eterno!
Forte espasmo retido dos maquinismos em fúria!
Em fúria fora e dentro de mim,
Por todos os meus nervos dissecados fora,
Por todas as papilas fora de tudo com que eu sinto!
Tenho os lábios secos, ó grandes ruídos modernos,
De vos ouvir demasiadamente de perto,
E arde-me a cabeça de vos querer cantar com um excesso
De expressão de todas as minhas sensações,
Com um excesso contemporâneo de vós, ó máquinas!

Em febre e olhando os motores como a uma Natureza tropical -
Grandes trópicos humanos de ferro e fogo e força -
Canto, e canto o presente, e também o passado e o futuro,
Porque o presente é todo o passado e todo o futuro
E há Platão e Virgílio dentro das máquinas e das luzes eléctricas
Só porque houve outrora e foram humanos Virgílio e Platão,
E pedaços do Alexandre Magno do século talvez cinquenta,
Átomos que hão de ir ter febre para o cérebro do Ésquilo do século cem,
Andam por estas correias de transmissão e por estes êmbolos e por estes volantes,
Rugindo, rangendo, ciciando, estrugindo, ferreando,
Fazendo-me um excesso de carícias ao corpo numa só carícia à alma.

Ah, poder exprimir-me todo como um motor se exprime!
Ser completo como uma máquina!
Poder ir na vida triunfante como um automóvel último-modelo!
Poder ao menos penetrar-me fisicamente de tudo isto,
Rasgar-me todo, abrir-me completamente, tornar-me passento
A todos os perfumes de óleos e calores e carvões
Desta flora estupenda, negra, artificial e insaciável!

Fraternidade com todas as dinâmicas!
Promíscua fúria de ser parte-agente
Do rodar férreo e cosmopolita
Dos comboios estrénuos,
Da faina transportadora-de-cargas dos navios,
Do giro lúbrico e lento dos guindastes,
Do tumulto disciplinado das fábricas,
E do quase-silêncio ciciante e monótono das correias de transmissão!

Horas europeias, produtoras, entaladas
Entre maquinismos e afazeres úteis!
Grandes cidades paradas nos cafés,
Nos cafés -- oásis de inutilidades ruidosas
Onde se cristalizam e se precipitam
Os rumores e os gestos do Útil
E as rodas, e as rodas-dentadas e as chumaceiras do Progressivo!
Nova Minerva sem-alma dos cais e das gares!
Novos entusiasmos da estatura do Momento!
Quilhas de chapas de ferro sorrindo encostadas às docas,
Ou a seco, erguidas, nos pianos-inclinados dos portos!
Actividade internacional, transatlântica, Canadian-Pacific!
Luzes e febris perdas de tempo nos bares, nos hotéis,
Nos Longchamps e nos Derbies e nos Ascots,
E Piccadillies e Avenues de l'Opera que entram
Pela minh'alma dentro!

Hé-lá as ruas, hé-lá as praças, hé-la-hó la foule!
Tudo o que passa, tudo o que pára às montras!
Comerciantes; vadios; escrocs exageradamente bem-vestidos;
Membros evidentes de clubes aristocráticos;
Esquálidas figuras dúbias; chefes de família vagamente felizes
E paternais até na corrente de oiro que atravessa o colete
De algibeira a algibeira!
Tudo o que passa, tudo o que passa e nunca passa!
Presença demasiadamente acentuada das cocotes;
Banalidade interessante (e quem sabe o quê por dentro?)
Das burguesinhas, mãe e filha geralmente,
Que andam na rua com um fim qualquer,
A graça feminil e falsa dos pederastas que passam, lentos;
E toda a gente simplesmente elegante que passeia e se mostra
E afinal tem alma lá dentro!

(Ah, como eu desejaria ser o souteneur disto tudo!)

A maravilhosa beleza das corrupções políticas,
Deliciosos escândalos financeiros e diplomáticos,
Agressões políticas nas ruas,
E de vez em quando o cometa dum regicídio
Que ilumina de Prodígio e Fanfarra os céus
Usuais e lúcidos da Civilização quotidiana!

Notícias desmentidas dos jornais,
Artigos políticos insinceramente sinceros,
Notícias passez à-la-caisse, grandes crimes -
Duas colunas deles passando para a segunda página!
O cheiro fresco a tinta de tipografia!
Os cartazes postos há pouco, molhados!
Vients-de-paraitre amarelos com uma cinta branca!
Como eu vos amo a todos, a todos, a todos,
Como eu vos amo de todas as maneiras,
Com os olhos e com os ouvidos e com o olfacto
E com o tacto (o que palpar-vos representa para mim!)
E com a inteligência como uma antena que fazeis vibrar!
Ah, como todos os meus sentidos têm cio de vós!

Adubos, debulhadoras a vapor, progressos da agricultura!
Química agrícola, e o comércio quase uma ciência!
Ó mostruários dos caixeiros-viajantes,
Dos caixeiros-viajantes, cavaleiros-andantes da Indústria,
Prolongamentos humanos das fábricas e dos calmos escritórios!

Ó fazendas nas montras! ó manequins! ó últimos figurinos!
Ó artigos inúteis que toda a gente quer comprar!
Olá grandes armazéns com várias secções!
Olá anúncios eléctricos que vêm e estão e desaparecem!
Olá tudo com que hoje se constrói, com que hoje se é diferente de ontem!
Eh, cimento armado, beton de cimento, novos processos!
Progressos dos armamentos gloriosamente mortíferos!
Couraças, canhões, metralhadoras, submarinos, aeroplanos!

Amo-vos a todos, a tudo, como uma fera.
Amo-vos carnivoramente,
Pervertidamente e enroscando a minha vista
Em vós, ó coisas grandes, banais, úteis, inúteis,
Ó coisas todas modernas,
Ó minhas contemporâneas, forma actual e próxima
Do sistema imediato do Universo!
Nova Revelação metálica e dinâmica de Deus!

Ó fábricas, ó laboratórios, ó music-halls, ó Luna-Parks,
Ó couraçados, ó pontes, ó docas flutuantes --
Na minha mente turbulenta e incandescida
Possuo-vos como a uma mulher bela,
Completamente vos possuo como a uma mulher bela que não se ama,
Que se encontra casualmente e se acha interessantíssima.

Eh-lá-hô fachadas das grandes lojas!
Eh-lá-hô elevadores dos grandes edifícios!
Eh-lá-hô recomposições ministeriais!
Parlamento, políticas, relatores de orçamentos;
Orçamentos falsificados!
(Um orçamento é tão natural como uma árvore
E um parlamento tão belo como uma borboleta.)

Eh-lá o interesse por tudo na vida,
Porque tudo é a vida, desde os brilhantes nas montras
Até à noite ponte misteriosa entre os astros
E o amor antigo e solene, lavando as costas
E sendo misericordiosamente o mesmo
Que era quando Platão era realmente Platão
Na sua presença real e na sua carne com a alma dentro,
E falava com Aristóteles, que havia de não ser discípulo dele.

Eu podia morrer triturado por um motor
Com o sentimento de deliciosa entrega duma mulher possuída.
Atirem-me para dentro das fornalhas!
Metam-me debaixo dos comboios!
Espanquem-me a bordo de navios!
Masoquismo através de maquinismos!
Sadismo de não sei quê moderno e eu e barulho!

Up-lá hó jóquei que ganhaste o Derby,
Morder entre dentes o teu cap de duas cores!

(Ser tão alto que não pudesse entrar por nenhuma porta!
Ah, olhar é em mim uma perversão sexual!)

Eh-lá, eh-lá, eh-lá, catedrais!
Deixai-me partir a cabeça de encontro às vossas esquinas,
E ser levantado da rua cheio de sangue
Sem ninguém saber quem eu sou!

Ó tramways, funiculares, metropolitanos,
Roçai-vos por mim até ao espasmo!
Hilla! hilla! hilla-hô!
Dai-me gargalhadas em plena cara,
Ó automóveis apinhados de pândegos e de putas,
Ó multidões quotidianas nem alegres nem tristes das ruas,
Rio multicolor anónimo e onde eu me posso banhar como quereria!
Ah, que vidas complexas, que coisas lá pelas casas de tudo isto!
Ah, saber-lhes as vidas a todos, as dificuldades de dinheiro,
As dissensões domésticas, os deboches que não se suspeitam,
Os pensamentos que cada um tem a sós consigo no seu quarto
E os gestos que faz quando ninguém pode ver!
Não saber tudo isto é ignorar tudo, ó raiva,
Ó raiva que como uma febre e um cio e uma fome
Me põe a magro o rosto e me agita às vezes as mãos
Em crispações absurdas em pleno meio das turbas
Nas ruas cheias de encontrões!

Ah, e a gente ordinária e suja, que parece sempre a mesma,
Que emprega palavrões como palavras usuais,
Cujos filhos roubam às portas das mercearias
E cujas filhas aos oito anos -- e eu acho isto belo e amo-o! -
Masturbam homens de aspecto decente nos vãos de escada.
A gentalha que anda pelos andaimes e que vai para casa
Por vielas quase irreais de estreiteza e podridão.
Maravilhosa gente humana que vive como os cães,
Que está abaixo de todos os sistemas morais,
Para quem nenhuma religião foi feita,
Nenhuma arte criada,
Nenhuma política destinada para eles!
Como eu vos amo a todos, porque sois assim,
Nem imorais de tão baixos que sois, nem bons nem maus,
Inatingíveis por todos os progressos,
Fauna maravilhosa do fundo do mar da vida!

(Na nora do quintal da minha casa
O burro anda à roda, anda à roda,
E o mistério do mundo é do tamanho disto.
Limpa o suor com o braço, trabalhador descontente.
A luz do sol abafa o silêncio das esferas
E havemos todos de morrer,
Ó pinheirais sombrios ao crepúsculo,
Pinheirais onde a minha infância era outra coisa
Do que eu sou hoje. . . )

Mas, ah outra vez a raiva mecânica constante!
Outra vez a obsessão movimentada dos ónibus.
E outra vez a fúria de estar indo ao mesmo tempo dentro de todos os comboios
De todas as partes do mundo,
De estar dizendo adeus de bordo de todos os navios,
Que a estas horas estão levantando ferro ou afastando-se das docas.
Ó ferro, ó aço, ó alumínio, ó chapas de ferro ondulado!
Ó cais, ó portos, ó comboios, ó guindastes, ó rebocadores!

Eh-lá grandes desastres de comboios!
Eh-lá desabamentos de galerias de minas!
Eh-lá naufrágios deliciosos dos grandes transatlânticos!
Eh-lá-hô revoluções aqui, ali, acolá,
Alterações de constituições, guerras, tratados, invasões,
Ruído, injustiças, violências, e talvez para breve o fim,
A grande invasão dos bárbaros amarelos pela Europa,
E outro Sol no novo Horizonte!

Que importa tudo isto, mas que importa tudo isto
Ao fúlgido e rubro ruído contemporâneo,
Ao ruído cruel e delicioso da civilização de hoje?
Tudo isso apaga tudo, salvo o Momento,
O Momento de tronco nu e quente como um fogueiro,
O Momento estridentemente ruidoso e mecânico,
O Momento dinâmico passagem de todas as bacantes
Do ferro e do bronze e da bebedeira dos metais.

Eia comboios, eia pontes, eia hotéis à hora do jantar,
Eia aparelhos de todas as espécies, férreos, brutos, mínimos,
Instrumentos de precisão, aparelhos de triturar, de cavar,
Engenhos, brocas, máquinas rotativas!

Eia! eia! eia!
Eia eletricidade, nervos doentes da Matéria!
Eia telegrafia-sem-fios, simpatia metálica do inconsciente!
Eia túneis, eia canais, Panamá, Kiel, Suez!
Eia todo o passado dentro do presente!
Eia todo o futuro já dentro de nós! eia!
Eia! eia! eia!
Frutos de ferro e útil da árvore-fábrica cosmopolita!
Eia! eia! eia, eia-hô-ô-ô!
Nem sei que existo para dentro. Giro, rodeio, engenho-me.
Engatam-me em todos os comboios.
Içam-me em todos os cais.
Giro dentro das hélices de todos os navios.
Eia! eia-hô eia!
Eia! sou o calor mecânico e a electricidade!

Eia! e os rails e as casas de máquinas e a Europa!
Eia e hurrah por mim-tudo e tudo, máquinas a trabalhar, eia!

Galgar com tudo por cima de tudo! Hup-lá!

Hup-lá, hup-lá, hup-lá-hô, hup-lá!
Hé-lá! He-hô Ho-o-o-o-o!
Z-z-z-z-z-z-z-z-z-z-z-z!

Ah não ser eu toda a gente e toda a parte!