terça-feira, 1 de junho de 2010

Espaço físico ou geográfico

          A acção de Memorial do Convento desenrola-se em dois grandes espaços: Lisboa e Mafra, a que se acrescenta o Alentejo, em circunstâncias específicas.

          Lisboa é um macroespaço caracterizado, genericamente, como uma cidade muralhada e com abundância de igrejas («Lisboa derramava-se para fora das muralhas. Via-se o castelo lá no alto, as torres das igrejas dominando a confusão das casas baixas, a massa indistinta das empenas.» - pág. 40), o que denuncia o ambiente profundamente religioso e beato que a domina. Interiormente, é descrita como uma cidade suja [«(...) a cidade é imunda, alcatifada de excrementos, de lixo, de cães lazarentos e gatos vadios, e lama mesmo quando não chove.» - pág. 128].

          Enquanto macroespaço, integra outros espaços:
  • Mercado de peixe, espaço contrastante com a visão imunda da cidade [«Sete-Sóis atravessou o mercado de peixe. (...) Mas no meio da multidão suja, eram miraculosamente asseados, como se as não tocasse sequer o cheiro do peixe que removiam às mãos cheias...» - pág. 42).

  • Paço: trata-se de um espaço de que não há grandes descrições, ressaltando apenas as atitudes das personagens que o habitam e os factos que lá têm lugar.

  • Terreiro do Paço: é o local onde Baltasar trabalha num açougue, após a sua chegada a Lisboa (pág. 71).

  • Rossio: é o local onde decorrem os autos-de-fé.

  • S. Sebastião da Pedreira: espaço relacionado com a passarola e o seu carácter mítico (pp. 65-67). Na época da construção do convento do convento, era um espaço rural onde existiam várias quintas que integravam palacetes.


  • Abegoaria: constitui o ninho de amor de Baltasar e Blimunda. Da descrição que o narrador dela faz, podemos inferir a simplicidade da vida e a pobreza do casal («Num canto da abegoaria desenrolaram a enxerga e a esteira, aos pés dela encostaram o escano, fronteira a arca, como os limites de um novo território, raia traçada no chão e em panos levantada, suspensos estes por um arame para que isto seja de facto uma casa...» - pág. 88). Por outro lado, aí se vai construindo a passarola.
          O outro espaço é o de Mafra, o segundo macroespaço (pp. 110-111), pouco descrito. É aí que milhares de homens, em condições infra-humanas, vão construindo, ao longo de décadas, o convento, muitos deles perdendo lá a própria vida («... o abençoado há-de ir a Mafra também, trabalhará nas obras do convento real e ali morrerá por cair de parede, ou da peste qu o tomou, ou da facada que lhe deram, ou esmagado pela estátua de S. Bruno...» - pág. 117). Nesta vila, destaca-se outro espaço: o alto da Vela, local escolhido por D. João V para edificar o convento e que deu lugar à chamada vila nova, à volta do edifício. Nas imediações da obra, surge a Ilha da Madeira, onde começara por se alojar dez mil trabalhadores, ascendendo, posteriormente, a quarenta mil.

          Um terceiro espaço contemplado é o Alentejo, um lugar povoado por mendigos e salteadores. Esta zona do reino é percorrida por Baltasar aquando do seu regresso da Guerra da Sucessão e, mais tarde, pelo cortejo real, que vai de Lisboa a Elvas, por ocasião dos príncipes D. Maria Bárbara e D. José com os príncipes espanhóis. Nestas ocasiões, realçam-se a miséria e a penúria de quem aí habita, bem como os caminhos de lama e de pobreza.

          Outros espaços referenciados são Pêro Pinheiro, local de onde é originária a pedra, e a Serra do Barregudo, lugar onde a passarola pousou e esteve escondida e donde partiu para a derradeira e fatal viagem de Baltasar.

Dia Mundial da Criança



Texto: «Não tenho tempo»

Autoria: Neimar de Barros

Locução: Marcos Durães


Letra
Sabe. meu filho,
Até hoje não tive tempo para brincar com você.
Arranjei tempo para tudo,
Menos para ver você crescer.
Nunca joguei dominó, dama, xadrez ou batalha naval com você.
Percebo que você me rodeia,
Mas sabe, sou muito importante e não tenho tempo...
Sou importante para números, convites-sociais,
Uma série de compromissos inadiáveis...
E largar tudo isso para sentar no chão com você...
Não, não tenho tempo !
Um dia você veio com o caderno da escola para o meu lado,
Não liguei, continuei lendo jornal.
Afinal, os problemas internacionais
São mais sérios que os da minha casa.
Nunca vi seu boletim nem sei quem é sua professora,
Não sei nem qual foi sua primeira palavra,
Também, você entende... não tenho tempo...
De que adianta saber as mínimas coisas de você
Se eu tenho outras grandes coisas a saber?
Puxa, como você cresceu!
Você já passou da minha cintura. Está alto!
Eu não havia reparado isso.
Aliás, não reparo quase nada, minha vida é corrida,
E quando tenho tempo, prefiro usá-lo lá fora.
E se uso aqui, perco-me calado diante da TV,
Porque a TV é importante e me informa muito...
Sabe, meu filho...
A última vez que tive tempo para você, foi numa noite de amor,
Com sua mãe!
Sei que você se queixa,
Que você sente falta de uma palavra,
De uma pergunta minha,
De um corre-corre,
De um chute na sua bola.
Mas eu não tenho tempo...
Sei que você sente falta do abraço e do riso,
Do andar-a-pé até a padaria para comprar guaraná,
Do andar-a-pé até o jornaleiro para comprar "Pato Donald",
Mas sabe, há quanto tempo não ando a pé na rua?
Não tenho tempo...
Mas você entende, sou um homem importante,
Tenho que dar atenção a muita gente,
Dependo delas... Filho, você não entende de comércio...!
Na realidade, sou um homem sem tempo!
Sei que você fica chateado,
Porque as poucas vezes que falamos é monólogo, só eu falo.
E noventa e nove por cento é bronca:
Quero silêncio, quero sossego!
E você tem a péssima mania de vir correndo sobre a gente,
Você tem mania de querer pular nos braços dos outros...
Filho, não tenho tempo para abraçá-lo,
Não tenho tempo para ficar com papo-furado com criança.
Filho,
O que você entende de computador, comunicação, cibernética,
Racionalismo?
Você sabe quem é Marcuse, Mac Luan?
Como é que vou parar para conversar com você?
Sabe filho,
Não tenho tempo, mas o pior de tudo,
O pior de tudo é que...
Se você morresse agora, já, neste instante,
Eu ficaria com um peso na consciência
Porque até hoje
Não arrumei tempo para brincar com você,
E na outra vida, por certo,
Deus não terá tempo de me deixar, pelo menos , vê-lo!