sexta-feira, 4 de junho de 2010

Mariana Vitória

          Mariana Vitória é uma princesa castelhana, destinada a ser desposada por D. José, o herdeiro da coroa portuguesa. Sobre elas, ficamos apenas a saber que “… gosta de bonecas, adora confeitos, nem admira, está na idade…”.
          D. Mariana Vitória era filha de Filipe V de Espanha. Nasceu em 1718 e faleceu em 1781. Esteve noiva de Luís XV de França, mas o casamento não se concretizou. Em 1727, foi contratado o seu matrimónio com o futuro rei D. José I, no âmbito de uma política de alianças que incluía também a união da princesa portuguesa D. Maria Bárbara a D. Fernando, herdeiro do trono espanhol. Vivendo, de uma maneira geral, alheada dos negócios públicos, D. Mariana Vitória ocupou a regência em 1776-1777, por doença de D. José.




Farewell

Scarlatti

          Scarlatti é o quarto elemento que vem juntar-se ao trio Baltasar, Blimunda e Bartolomeu: à força física de Baltasar, à magia de Blimunda, traduzida na capacidade de recolher vontades, à ciência do padre Bartolomeu de Gusmão, vem unir-se a arte do músico (“Senhor Scarlatti, quando o enfadar o paço, lembre-se deste lugar. Lembrarei, por certo, e se com isso não perturbar o trabalho de Baltasar e Blimunda, trarei para cá um cravo e tocarei para eles e para a passarola, talvez a minha música possa conciliar-se dentro das esferas com esse misterioso elemento…” - pp. 170-171).
          Assim sendo, tratando-se do quarto elemento, Scarlatti associa-se ao simbolismo do n.º 4, o número da terra, dos pontos cardeais, das fases da lua, das estações do ano, das etapas da vida humana, representando, portanto, a plenitude, a totalidade. Com efeito, estas quatro personagens remetem para a ideia de deificação do Homem, uma vez que são capazes de se libertar da materialidade.
          Por outro lado, a sua música assume grande significado em determinados passos do romance. Por exemplo, é ela que cura Blimunda, permitindo-lhe prosseguir a sua tarefa de recolher as vontades que permitirão o voo da passarola. No entanto, não se infira daqui a constituição de um «quarteto» no que toca ao projecto da passarola, que Scarlatti não segue até ao seu desenlace, visto que apenas assiste à sua partida. Curioso é o facto de o seu cravo repousar, escondido, no fundo de um poço (pág. 198), enquanto a passarola permanecerá, longo tempo, escondida na serra de Monte Junto.

          Nas palavras de Adelina Moura, «Scarlatti personifica a arte (pp. 162-163) que, aliada ao sonho, permite a cura de Blimunda (pp. 186-187) e possibilita a conclusão e o voo da passarola (p. 173)».

Blimunda

          Blimunda Sete-Luas é filha de Sebastiana Maria de Jesus, condenada ao degredo, acusada de ser visionária e cristã-nova, num auto-de-fé, onde conhece Baltasar.
          Fisicamente, poucos dados nos são transmitidos sobre a personagem, sendo todo o realce dirigido para os olhos, descrito diversas vezes - de facto, possui uns olhos misteriosos, extraordinários, de cor indefinida ("... olhos como estes nunca se viram, claros de cinzento, ou verde, ou azul, que com a luz de fora variam ou o pensamento de dentro, é às vezes tornam-se negros nocturnos ou brancos brilhantes como lascado carvão de pedra..." - pág. 55), e para o corpo, alto e delgado. O cabelo é "... russo, injusta palavra, que a cor dele é a do mel..." (pág. 103).
          Tem 19 anos no momento em que conhece Baltasar e mantém intacta a sua virgindade, que entrega a Baltasar na sequência do seu encontro no auto-de-fé. Tem poderes mágicos: é vidente, pois possui a capacidade de, em jejum, observar por dentro das coisas e das pessoas (capacidade que só emprega em Baltasar no derradeiro momento da comunhão mística entre ambos). Esses seus poderes são aplicados no mundo real, concreto, no entanto, ela consegue ver para além das aparências, já que possui o dom da ecovisão, o dom de ver por dentro das pessoas e das coisas, afastando-se da materialidade e aproximando-se da espiritualidade adstrita à arte de Scarlatti e ao sonho de voar do padre Bartolomeu de Gusmão. O facto de o único ser que ela recusa a ver ser Baltasar, o «seu homem», pode significar a dificuldade em «ver» quem se ama, talvez por medo do que se possa encontrar.
          É, portanto, uma personagem marcada pela excepcionalidade, revelada pela suas ascendência (é filha de uma feiticeira), pelo valor simbólico do nome que lhe é atribuído ("Sete-Luas") e pelos seus dotes particulares de vidência ("ver por dentro").
          O seu único amor é Baltasar, por quem está disposta a realizar todos os sacrifícios e a quem dedica uma afeição verdadeira, espontânea e duradoura. Aos olhos de Scarlatti, Blimunda e Baltasar surgem, respectivamente, como Vénus e Vulcano (pág. 168). Com efeito, apaixonada por Baltasar, mantém com ele uma eterna relação de amor, de cumplicidade e de companheirismo, a que não falta a atracção física revelada em jogos eróticos de prazer; · o amor que vivem é um amor não-cristianizado mas nem por isso menos (a seu modo) sagrado, e miticamente exemplar. Foram talhados um para o outro, como lembra o ditado popular (“O casamento e a mortalha no céu se talha”), convivendo em harmónica união (“Dormiram nessa noite os sóis e as luas abraçados, enquanto as estrelas giravam devagar no céu, Lua onde estás, Sol aonde vais…” – pág. 90), também sugerida pela simbologia do novo nome: o 7 simboliza um ciclo completo, uma perfeita dinâmica. Talvez por isso nunca tenham tido filhos.

          Por outro lado, é interessante notar que o envelhecimento físico não deteriora a sua juventude interior e a relação que mantém com Baltasar, sobretudo porque, aos olhos de Baltasar, Blimunda continua a mesma. O próprio cansaço e o esgotamento a nível físico que os atingiu, após a peregrinação em busca de “vontades” por Lisboa, levam o narrador a associar às imagens dos sóis e das luas a perda de algum brilho e fulgor: “… cansados de tanta caminhada, de tanto subir e descer de escadas, recolheram-se Blimunda e Baltasar à quinta, sete mortiços sóis, sete pálidas luas…” (pág. 181).
          Blimunda, tal como Baltasar, ajuda na construção da passarola, contribuindo com os seus poderes mágicos na recolha das “duas mil vontades”, princípio mágico que fará voar a passarola; recolha essa feita na procissão do corpo de Deus, porque é uma ocasião em que as almas e os corpos estão debilitados e não são capazes de segurar as vontades. Essa esforço deixou Blimunda doente, “uma extrema magreza, uma palidez profunda que lhe tornava transparente a pele”.
          Com o decorrer· da intriga, Blimunda revela uma sabedoria e uma postura muito próprias, apresentando-se como um elemento mágico não explicado, tendo aprendido coisas sobre a vida e a morte, sobre o pecado e o amor "na barriga da mãe", onde permaneceu "de olhos abertos" (cap. XIII, pág. 331). Daí que tenha uma presença bastante forte, sólida e afirmativa no romance. As restantes personagens (Padre Bartolomeu, Baltasar, Scarlatti, Marta Maria) reconhecem o mistério que subjaz ao olhar de Blimunda e ao seu extraordinário poder perceptivo, inexplicável até para a própria personagem.

          Após o desaparecimento de Baltasar (ela própria tinha pressentido que não voltaria a estar com ele, daí que o tivesse conduzido para a barraca e o amasse com sofreguidão), secou as lágrimas e o seu destino foi procurá-lo durante nove anos – durante essa procura acabou por matar um dominicano, sedento de um momento de prazer, com o espigão de Baltasar, que simbolicamente representa o próprio marido em defesa da sua mulher: “Do outro lado do convento, num rebaixo (…) aonde tiver que ir, inferno ou paraíso.” (cap. XXIV, pp. 344-346). Na sequência desse desaparecimento e durante a sua busca, os olhos de Blimunda adquirem novas características, além da indefinição da cor, pois neles se reflectem inquietações e preocupações: “… que segredos se escondiam no rosto impenetrável, nos olhos pardos, cujas pálpebras raramente batiam, e que a certas horas e certa luz pareciam lagos onde flutuavam sombras de nuvens, as sombras que dentro passavam, não as comuns do ar…” (pág. 354). Na sua incansável demanda, só à sétima vez que passou por Lisboa o encontrou a ser queimado num auto-de-fé, precisamente o mesmo em que se encontrava António José da Silva, o Judeu, autor de comédias de bonifrates.

Baltasar

          Baltasar Mateus - a primeira das personagens ficcionais deste trabalho - é um soldado recém-chegado da Guerra da Sucessão espanhola (1704 - 1712), natural de Mafra e com 26 anos. Aproveita uma deficiência física - é maneta, em virtude de ter perdido a mão esquerda na aguerra, "estraçalhada por uma bala" -, que provocou a sua expulsão do exército, o que significa que, à semelhança do Bailote de Aparição ou do Antigo Soldado de Felizmente há Luar!, representa todos aqueles que são explorados até ao tutano enquanto saudáveis e que, depois, são desprezados e abandonados quando já não têm utilidade prática. Essa expulsão leva-o a vaguear como pedinte em Évora com o intuito de fazer um gancho que lhe substitua a mão perdida até chegar a Lisboa, onde conhece Blimunda num auto-de-fé.
          O envelhecimento físico que vai manifestando ao longo da obra, à medida que os anos passam, não deteriora a sua juventude interior e a relação que mantém com Blimunda, sobretudo porque aos seus olhos Baltasar continua o mesmo: “… tens a barba cheia de brancas, Baltasar, tens a testa carregada de rugas, Baltasar, tens encorreado o pescoço, Baltasar, já te descaem os ombos, Baltasar, nem pareces o mesmo homem, Baltasar, mas isto é certamente defeito dos olhos que usamos, porque aí vem justamente uma mulher, e onde nós víamos um homem velho, vê ela um homem novo…” (p. 326)[1].
          Mais tarde tornar-se-á um dos operários que trabalham na construção do convento como servente ou a fazer carretos com os carros de mão, participando igualmente na construção da passarola, factos que contribuem para o agigantar da sua imagem ao longo do romance, chegando mesmo a atingir uma espécie de divinização: “(…) Com essa mão e esse gancho podes fazer tudo quanto quiseres, e há coisas que um gancho faz melhor que a mão completa, um gancho não sente dores se tiver de segurar um arame ou um ferro, nem se corta, nem se queima, e eu te digo que maneta é Deus, e fez o universo (…)”; “Olhou o desenho e os materiais espalhados pelo chão, a concha ainda informe, sorriu, e, levantando um pouco os braços, disse, Se Deus é maneta e fez o universo, este homem sem mão pode atar a vela e o arame que hão-de voar.” (cap. VI, pág. 68).
          No fundo, Baltasar é apresentado como um marginal, lutando pela sobrevivência e não hesitando em matar, uma espécie de herói pícaro[2]:
  • foi soldado na Guerra de Sucessão espanhola, donde foi expulso por ter ficado mutilado da mão esquerda;
  • sem salário, inicia uma vida aventureira e errante: pede esmola para conseguir ter um gancho de ferro, mata um homem que o quisera roubar e conhece João Elvas, rufia e antigo soldado;
          Além disso, encarna a crítica à inutilidade da guerra, já que se sacrificam homens em nome de interesses que lhes são alheios: “A tropa andava descalça e rota, roubava os lavradores, recusava-se a ir à batalha, e tanto desertava para o inimigo como debandava para as suas terras, metendo-se fora dos caminhos, assaltando para comer, violando mulheres desgarradas (…) por artes de uma guerra em que se haveria de decidir quem viria a sentar-se no trono de Espanha, se um Carlos austríaco ou um Filipe francês, português nenhum…” (pág. 36).

[1] O narrador faz aqui uma distinção entre duas perspectivas: a “nossa”, objectiva, externa, que só vê aparências; a de Blimunda, subjectiva, interna, que “vê” mais longe e mais fundo, porque observa com os olhos do amor.

[2] A picaresca caracteriza-se por uma série de peripécias e aventuras vividas por uma personagem (o herói pícaro) da baixa condição social, que serve a vários amos, em toda a espécie de expedientes, esfomeado, errante, com um código de honra muito duvidoso que consiste em safar-se da forma mais airosa possível de toda a sorte de dificuldades, principalmente através da sua astúcia e habilidade pouco escrupulosas.

Relação de Baltasar e Blimunda


Fonte: Lithis

Relação de D. João V e D. Maria Ana Josefa

Fonte: Lithis