terça-feira, 25 de maio de 2010

Transgressão: Código religioso

  • A sumptuosidade que rodeia a edificação do convento (pp. 365-366) vs a simplicidade e a humildade, essência dos valores cristãos;
  • O recrutamento de homens à força para as obras do convento;
  • A construção da passarola vs a proibição de ascender a um plano superior / divino (pág. 198) - os quatro pilares de solidez do projecto: Bartolomeu, Baltasar, Blimunda e Scarlatti;
  • A castidade vs a promiscuidade / as relações sexuais nos conventos / que envolvem frades e freiras;
  • As estátuas dos santos (pág. 344) vs a santidade humana (pág. 342);
  • A missa enquanto espaço de vivência espiritual (pág. 145) vs a missa enquanto espaço de namoros e de encontros clandestinos (pp. 43, 162 e 236);
  • A bênção de Deus vs a benção dos homens (por exemplo, a benção dada por Bartolomeu de Gusmão a Baltasar e Blimunda);
  • O funeral do infante D. Pedro, um espectáculo de pompa e circunstância vs o funeral do sobrinho de Baltasar, manifestação isolada de dor.

Transgressão: Código sexual e amoroso

          A nível amoroso, a transgressão concentra-se na relação de Baltasar e Blimunda, que é vivido à margem das regras sociais da época: não são casados, uniram-se por um ritual de sangue e da colher, vivem uma relação de igualdade de papéis, guiando-se por um estado de perfeição que não é deste mundo.

          A nível sexual, a transgressão atinge o auge no contraste entre a relação carnal que o rei e a rainha mantêm - sexo ritual protocolar para procriação (pp. 11-13, 319-320), profusamente caricaturado pelo narrador - e a relação carnal entre Baltasar e Blimunda, caracterizada por uma entrega sexual permanente e mútua de corpos e de almas sem tabus ou limites, que não os que as próprias personagens «acordam» (pág. 77).
          Outro momento da obra em que a transgressão sexual é bem evidente está relacionada com as propostas que o irmão de D. João V faz à rainha, bem como os sonhos eróticos que atormentam D. Maria Ana Josefa com aquele.
          Por último, o «desfile» que ocorre pelas ruas da cidade por alturas do Entrudo é outro momento de excessos e de transgressão sexual.

Transgressão: Código escrito

          Memorial do Convento é uma obra dominada pela noção de transgressão, visível em vários domínios.

          Um desses domínios é o código escrito. Neste caso, a ideia de transgressão está presente nos seguintes aspectos:
a. a desconstrução e reconstrução das regras da pontuação (vide linguagem):
» a supressão das marcas gráficas do discurso directo (diálogos);
» a substituição dos pontos finais pelas vírgulas, criando uma leitura contínua;
» o uso de maiúsculas no meio da frase para introduzir as falas das personagens;
» etc.
b. a inversão da expressões bíblicas e de provérbios / adágios populares («ainda agora a procissão vai na praça»);
c. a diversidade de registos de língua:
» o registo cuidado;
» o registo familiar;
» o registo popular, nomeadamente o calão («merda», «putas»);
d. os aforismos («Não está o homem livre... com a verdade...»);
e. os jogos de palavras.