quarta-feira, 30 de abril de 2008

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Espaço social

1. Lisboa:

  • centro e símbolo de Portugal;
  • capital do reino, onde está instalado o governo e onde se inicia a revolta popular, que só posteriormente se alarga à província (pp. 55 e 64);
  • espaço de contrastes, que permite o confronto claro entre o poder e o povo;
  • cidade do descontentamento e das fogueiras (lembrando os autos-de-fé);
  • espaço de opressão, delação, injustiça, violência...

  • Rua:
    -» espaço mais adequado para revelar o homem nas suas relações sociais (segundo Brecht);
    -» por isso, o cenário não apresenta uma rua definida, específica, mas somente os objectos que indiciam a miséria popular (pp. 16 e 18);
    -» espelho do quotidiano do povo oprimido;
    -» palco da vida dos pobres, dos pedintes, dos injustiçados, dos que lutam ingloriamente pela justiça e pela liberdade, em suma, do povo andrajoso, miserável, uma multidão de aleijados e doentes;
    -» miséria, opressão, injustiça...;
    -» impotência popular perante o decurso dos acontecimentos, nomeadamente a prisão de Gomes Freire (início do acto II);

  • Baixa:
    -» sede da Regência (espaço interior);
    -» as três cadeiras pesadas e ricas e com aparência de tronos (p. 47) simbolizam as três faces do poder (D. Miguel -> poder civil; Beresford -> poder militar; principal Sousa -> poder religioso), bem como a opulência e a riqueza dos governadores, que contrastam com a miséria do povo;
    -» a indumentária que envergam traduz a riqueza, o luxo e a ostentação dos poderosos;
    -» o criado de libré e as suas atitudes traduzem a sua dependência relativamente ao patrão e a absorção das regras das camadas mais elevadas da sociedade (daí o distanciamento e o desprezo com que ele se dirige a Matilde).
  • Rato:
    -» casa de Gomes Freire e de Matilde;
    -» a cadeira tosca onde se senta Matilde (p. 83), contrastante com as três cadeiras dos governantes, reflecte a falta de recursos económicos do casal e a sua dependência socioeconómica.
  • Loja maçónica da Rua de S. Bento e botequim do Marrare: locais que assumem dimensão política revolucionária.
  • : traduz também a miséria popular (lugar onde o povo pedia esmola: "Na Páscoa, à porta da Sé, fiz o bastante para comer durante três dias..." - p. 100).
  • Tejo: local onde Manuel faz a "descarga das barcaças".
  • S. Julião da Barra (espaço oito vezes referenciado entre as pp. 126 e 129):
    -» a prisão de Gomes Freire;
    -» as condições desumanas e indignas em que se encontra preso o general.
  • Serra de Santo António: local de onde se avista S. Julião da Barra.
  • Campo de Sant'Ana (pp. 131 e 137): local das execuções dos presos.

Espaço físico / geográfico

No acto I, a acção decorre nos seguintes espaços:

→ as ruas de Lisboa, onde se encontram os populares;
→ o local onde D. Miguel Forjaz recebe Vicente;
→ o palácio dos governadores do Reino, no Rossio.

São ainda referenciados:
→ a casa de Gomes Freire, para os lados do Rato;
→ os espaços frequentados pelos revolucionários conspiradores:
. um café no Cais do Sodré;
. o botequim do Marrare;
. uma loja maçónica, situada na rua de S. Bento.

No acto II, os acontecimentos decorrem nos seguintes locais:
→ as ruas de Lisboa, onde os populares comentam a prisão de Gomes Freire;
→ a casa de Matilde de Melo;
→ o local onde Beresford recebe Matilde;
→ à porta da casa de D. Miguel Forjaz;
→ o local onde Matilde fala com principal Sousa (que parece ser um local sagrado);
→ o alto da serra de Santo António, onde Matilde e Sousa Falcão observam as fogueiras que queimam os revolucionários.
São ainda mencionados:
→ a masmorra de S. Julião da Barra, onde se encontra Gomes Freire;
→ o Campo de Santana, para onde são levados os presos;
→ a aldeia onde nasceu Matilde;
→ Paris;
→ os campos da Europa onde o general combateu;
→ a porta da Sé, onde os populares mendigavam (p. 100).


1.1. Conclusões

1.ª) O espaço físico não assume grande relevo. Só os diferentes espaços sociais adquirem pertinência.

2.ª) Por influência de Brecht e do teatro medieval, há escassas referências directas ao espaço físico, pois a acção pode ocorrer em qualquer lugar e “sempre que o «ontem» impossibilite o despertar do «amanhã»”. No entanto, pode concluir-se que a acção se dispersa por vários locais diferentes, interiores e exteriores, embora interligados pela referência a Gomes Freire de Andrade.

3.ª) As indicações cénicas não fazem referência a cenários diferentes.

4.ª) O espaço é, pois, pobre em recursos cénicos, no entanto, por isso mesmo ganha enorme valor simbólico, reforçando o carácter épico da peça.

5.ª) A mutação de espaço físico é sugerida por outras técnicas teatrais, nomeadamente pelo recurso aos jogos de luz/sombra, que permitem criar um ambiente quer de desalento, quer de sonho, e pelo recurso a alguns objectos: um caixote, uma saca, uma cruz, três cadeiras opulentas, uma cadeira tosca e uma velha cómoda. Esta simplicidade parece ser intencional e mais importante que os cenários é a intensidade do drama, que é, aliás, realçada por esta economia de meios.

6.ª) A cidade de Lisboa é o espaço figurado, concretizado pelas referências ao Forte de S. Julião da Barra e ao Campo de Sant’Ana, posteriormente denominado Campo dos Mártires da Pátria, por causa do acontecimento retratado na peça e também pela alusão aos “Senhores do Rossio”.

7.ª) Por outro lado, Lisboa é um espaço de contraste que permite o confronto claro entre o poder e o povo, assumindo um valor de espaço social pelas dicotomias que contém.

    Tempo psicológico

    Tempo do discurso

    1. O presente

    O presente está intimamente ligado à definição de espaços psicológicos, para os quais tem grande importância o recurso ao monólogo interior, geralmente anunciado pelá incidência da luz, pois o mesmo permite abordar aspectos inconfessáveis, que não podem ser compartilhados. É o que se passa com Beresford, por exemplo, quando reflecte os seus receios, nomeadamente o de ser substituído pelo general Gomes Freire e perder os seus privilégios (p. 63), ou com D. Miguel, nos momentos em que reflecte sobre as suas características de homem de gabinete, incapaz de lidar com o povo (p. 70).


    2. O passado

    O passado surge na peça através de recuos no tempo, aquilo que se costuma designar por analepses.
    É através deste recurso que ficamos a conhecer, parcialmente, o passado do general, contado pelo Antigo Soldado (pp. 18 a 20) e por Matilde (pp. 85, 90, 93, 101, 138), a infância de Vicente (p. 27), e o passado de Matilde (pp. 91 e 92).
    O passado recente reflecte-se nos sonhos do Principal Sousa, um espelho da sua consciência pesada e dos medos que dominam o seu inconsciente: “Dedos imundos tocam-me as vestes. [...] Estava no Campo de Sant’Ana, subindo ao cadafalso, enquanto à minha volta os gritos do povo me não deixavam, sequer, ouvir a sentença...” (p. 68).
    As referências ao passado podem mostrar como este é condicionador do futuro. É o que acontece quando D. Miguel usa o facto de Andrade Corvo e Morais Sarmento terem pertencido à maçonaria para fazer “chantagem” (pp. 49 e 50), ou quando se refere o facto de Gomes Freire ser um estrangeirado para denegrir a sua imagem junto do povo.


    3. O futuro


    3.1. Desejos para o futuro

    As várias personagens condicionam os seus comportamentos e atitudes pelos desejos e ambições que possuem:
    • Vicente torna-se espião e delator com um único objectivo: ascender social e economicamente, procurando para isso obter o cargo de chede polícia (pp. 31 e 38);
    • Morais Sarmento e Andrade Corvo planeiam o futuro tendo, igualmente, como pano de fundo os benefícios que colherão através da denúncia;
    • Morais Sarmento, aparentemente atormentado pela sua consciência, reflecte também sobre os inconvenientes sociais dessa traição e modo de os ultrapassar (pp. 45 a 47);
    • Beresford não esconde o seu desejo de regressar a Inglaterra e viver como um gentleman (pp. 57 e 58);
    • D. Miguel sonha com “um Portugal próspero e feliz, com um povo simples, bom e confiante, que viva lavrando e defendendo a terra, com os olhos postos no Senhor”, um país em que a nobreza dirija sem qualquer limitação (p. 69).


    3.2. Medos e projectos

    A ideia de uma revolução e, consequentemente, de alteração do estado de coisas e dos seus privilégios faz com que os governadores receiem o futuro e estejam dispostos a aceitar o princípio maquiavélico de que os fins justificam os meios.

    3.3. Esperança

    O final da peça demonstra que o passado e o presente determinam os acontecimentos seguintes, já que, devido à morte de Gomes Freire, o futuro, que na sequência do presente (da prisão e condenação do general) se antevia como pouco esperançoso, ir-se-á tornar, na perspectiva de Matilde, um tempo de esperança e de luta eficaz pela liberdade (p. 140), uma quase certeza da mudança que se irá operar.


    4. O passado irreal

    O passado irreal remete para um tempo imaginado, um tempo do que poderia ter sido e não foi, o que remete para um universo idealizado, de tranquilidade familiar, sonhado por Matilde, que não passa de uma ilusão desesperada e cega, própria de quem tem a consciência de que a realidade jamais poderá corresponder aos seus anseios e sonhos (p. 84). E, nesse sentido, o que se segue é uma profunda angústia e revolta, que a leva, por um lado, a humilhar-se e, por outro, a desafiar a autoridade dos três governadores.

    Tempo da acção

    O tempo da acção reporta-se à duração dos acontecimentos retratados na peça e aparece indicado nas didascálias e/ou falas das personagens.
    Os dados sobre o tempo da acção são escassos e podemos concluir que o tempo é concentrado; o objectivo é simples: pretende-se que a história seja intemporal, isto é, seja de qualquer tempo.
    Assimilando a lição de Brecht e de Gil Vicente, a passagem do tempo na peça não é linearmente explicitada. As acções sucedem-se, assim como os espaços em que são representadas, reduzidas à sua essência, ou simbologia, não sendo marcado o decurso dos dias.
    O tempo narrado não coincide com o tempo da acção, pois a caracterização de Gomes Freire implica referências a momentos importantes da sua vida (por exemplo, as campanhas militares, ou a sua vida em Paris, que são anteriores ao início da acção representada em palco).
    A época retratada é a das revoltas liberais: Gomes Freire começa a sua actividade militar em 1782 e é julgado e enforcado como traidor em 18 de Outubro de 1817. O tempo da acção representada é mais curto, pois começa no fim de um dia não determinado – Rita dorme e chegou tarde, às 5 horas (p. 17) ‑, numa altura em que a revolução domina já o quotidiano (pp. 35, 67 e 68) e os governadores preparam a sua repressão com a ajuda dos denunciantes; acaba, como o tempo narrado, na noite de 18 de Outubro de 1817 – única data explicitamente referida, já nas páginas finais –, que marca a execução do general.
    No primeiro acto, a acção inicia-se com a alvorada (“São horas de irmos indo, mulher. Lembra-te do que temos de andar.” – p. 17), culminando na detenção de Gomes Freire. Sabemos, posteriormente, pela boca das personagens, que esta aconteceu de noite.
    O tempo deste acto é de agitação revolucionária, mas, sobretudo, de preparação da contra-revolução. Depois de uma primeira parte mais lenta, em que é apresentada a situação de miséria do povo e as opções de Vicente e dos outros delatores, o ritmo começa a acelerar progressivamente, assumindo a pressa dos governadores em encontrar um bode expiatório.
    A partir daqui, o espaço desloca-se para junto dos governadores e o tempo passa a ser marcado por uma sucessão rápida de entradas e saídas dos denunciantes. Vicente, Andrade Corvo e Morais Sarmento vêm, individualmente, trazer as suas informações, como, aliás, ordena D. Miguel (p. 80). Por entre estas entradas vertiginosas de um denunciante de cada vez e, finalmente, dos três ao mesmo tempo, as referências temporais limitam-se a confirmar a rapidez da contra-revolução: “Há dois dias” (pp. 50 e 68), “Ontem à noite” (p. 60).
    Ao mesmo tempo que, através das denúncias, se vai sabendo o que se passa do lado dos conspiradores, os três governadores revelam as suas motivações e definem estratégias de acção. À medida que a situação fica mais definida, a pressa aumenta e o acto vai terminar num ritmo tão alucinante que os discursos dos três governadores incitando à contra-revolução se apresentam em sequência, imediatamente após a tomada de decisão (pp. 73 e 74), sem qualquer indício temporal.

    No acto II, surge o tempo da repressão sem limites. A redução dos indícios temporais continua, mas, pelos populares, sabe-se que o acto se inicia na manhã do dia em que prenderam Gomes Freire e os seus companheiros, acto que decorreu na noite anterior (pp. 79 e 80), que a História localiza em 25 de Maio de 1817. Termina com a execução do general, em 18 de Outubro do mesmo ano (p. 129), durante uma noite de luar, consoante as palavras de Matilde: “Esta praga lhe rogo eu, Matilde de Melo, mulher de Gomes Freire d’Andrade, hoje 18 de Outubro de 1817”. A concentração do tempo está de acordo com a pressa com que os revoltosos foram julgados e executados, em vista ao controlo dos possíveis focos de rebelião (p. 55) e também com a ânsia de Matilde em conseguir libertar Gomes Freire.
    Embora a falta de indicações temporais possa fazer parecer que o tempo da acção é mais curto do que o tempo histórico, tal não acontece, pois Matilde afirma que Gomes Freire passou 150 dias na masmorra (p. 129), o que, grosso modo, corresponde ao tempo histórico – 147 dias.
    Outras indicações de passagem do tempo são-nos dadas por Sousa Falcão (“Só ao fim de seis dias lhe abonaram dinheiro para comer.” – p. 111) e por Matilde (“Há quatro dias que não me deito e que não sinto, na minha, qualquer mão amiga…” (p. ).
    O tempo da acção/história prova aquilo que as fontes históricas referem: a organização do processo de condenação e a execução dos conspiradores decorreu de forma muito rápida, não oferecendo qualquer hipótese de defesa aos réus.

    Tempo da escrita - o Estado Novo (1961)

    Salazar, a figura de proa do chamado Estado Novo, era o herdeiro dos ideais contra-revolucionários clássicos, um político que negava a tradição liberal dos séculos XIX e XX. Para ele, o liberalismo fora uma invenção importada por um grupo de «estrangeirados» que estragara tudo o que de são existia na história pátria. O ano de 1820 fora a raiz de todos os males: não tivesse existido a Revolução Francesa e os homens teriam continuado a viver felizes. De resto, como todas as revoluções, a revolução de 1879 tinha falhado. A natureza humana exigia um poder coercitivo. Numa frase lapidar, Salazar explicou: “Deve o estado ser tão forte que não precise ser violento”.
    Porém, apesar destas intenções, o regime foi responsável pelo clima de opressão que violava os direitos humanos fundamentais: o de expressão, manifestação e associação. A oposição apenas podia existir clandestinamente e o esforço para manter a ordem manifestava-se de forma violenta, recorrendo frequentemente à força. O governo regia-se por princípios totalitários, baseados no autoritarismo.
    A PIDE/DGS, polícia política, uma espécie de Inquisição dos tempos modernos, tornou-se o meio mais eficaz e mais violento para exercer a repressão. Apoiada em informantes que recebiam um pagamento mensal para denunciar qualquer pessoa ou actividade que parecesse suspeita, a PIDE exercia a repressão de diversas formas: despedimentos, perseguições, deportações, exílios, prisões, torturas. Pelas suas mãos, passou um apreciável número de opositores ao regime e não só.
    Também a censura, que existia em Portugal desde o século XV, foi um instrumento precioso do Estado Novo, fazendo sentir-se de diversas formas, nomeadamente a ideológica e literária, que foi responsável pela estagnação criativa e artística no nosso país. Por causa disso, muitos foram os escritores que viram as suas obras censuradas e etiquetadas de “subversivas”.
    Apesar do grande crescimento económico registado na década de 60, Portugal continuava a caracterizar-se por más condições de vida e de trabalho, pela falta de condições higiénicas, por uma elevada taxa de mortalidade infantil e de analfabetismo, indicadores de pobreza que nos colocavam na cauda da Europa.
    Por outro lado, o ano de 1961 marca o início da guerra colonial, que levou muitos dos jovens portugueses a emigrarem clandestinamente para lhe fugir.
    Na década de 60, vivia-se, assim, um clima de descontentamento geral que se evidenciava nas várias manifestações estudantis e greves que contestavam o regime, e também no aparecimento de movimentos de oposição política que exigiam eleições livres e democráticas.
    A publicação da peça, em 1961, coincide assim com um descontentamento crescente, em parte estimulado por uma opinião politicamente informada sobre o que acontecia na maioria dos países da Europa Ocidental, onde a democracia já havia triunfado.