quarta-feira, 30 de abril de 2008

Tempo do discurso

1. O presente

O presente está intimamente ligado à definição de espaços psicológicos, para os quais tem grande importância o recurso ao monólogo interior, geralmente anunciado pelá incidência da luz, pois o mesmo permite abordar aspectos inconfessáveis, que não podem ser compartilhados. É o que se passa com Beresford, por exemplo, quando reflecte os seus receios, nomeadamente o de ser substituído pelo general Gomes Freire e perder os seus privilégios (p. 63), ou com D. Miguel, nos momentos em que reflecte sobre as suas características de homem de gabinete, incapaz de lidar com o povo (p. 70).


2. O passado

O passado surge na peça através de recuos no tempo, aquilo que se costuma designar por analepses.
É através deste recurso que ficamos a conhecer, parcialmente, o passado do general, contado pelo Antigo Soldado (pp. 18 a 20) e por Matilde (pp. 85, 90, 93, 101, 138), a infância de Vicente (p. 27), e o passado de Matilde (pp. 91 e 92).
O passado recente reflecte-se nos sonhos do Principal Sousa, um espelho da sua consciência pesada e dos medos que dominam o seu inconsciente: “Dedos imundos tocam-me as vestes. [...] Estava no Campo de Sant’Ana, subindo ao cadafalso, enquanto à minha volta os gritos do povo me não deixavam, sequer, ouvir a sentença...” (p. 68).
As referências ao passado podem mostrar como este é condicionador do futuro. É o que acontece quando D. Miguel usa o facto de Andrade Corvo e Morais Sarmento terem pertencido à maçonaria para fazer “chantagem” (pp. 49 e 50), ou quando se refere o facto de Gomes Freire ser um estrangeirado para denegrir a sua imagem junto do povo.


3. O futuro


3.1. Desejos para o futuro

As várias personagens condicionam os seus comportamentos e atitudes pelos desejos e ambições que possuem:
  • Vicente torna-se espião e delator com um único objectivo: ascender social e economicamente, procurando para isso obter o cargo de chede polícia (pp. 31 e 38);
  • Morais Sarmento e Andrade Corvo planeiam o futuro tendo, igualmente, como pano de fundo os benefícios que colherão através da denúncia;
  • Morais Sarmento, aparentemente atormentado pela sua consciência, reflecte também sobre os inconvenientes sociais dessa traição e modo de os ultrapassar (pp. 45 a 47);
  • Beresford não esconde o seu desejo de regressar a Inglaterra e viver como um gentleman (pp. 57 e 58);
  • D. Miguel sonha com “um Portugal próspero e feliz, com um povo simples, bom e confiante, que viva lavrando e defendendo a terra, com os olhos postos no Senhor”, um país em que a nobreza dirija sem qualquer limitação (p. 69).


3.2. Medos e projectos

A ideia de uma revolução e, consequentemente, de alteração do estado de coisas e dos seus privilégios faz com que os governadores receiem o futuro e estejam dispostos a aceitar o princípio maquiavélico de que os fins justificam os meios.

3.3. Esperança

O final da peça demonstra que o passado e o presente determinam os acontecimentos seguintes, já que, devido à morte de Gomes Freire, o futuro, que na sequência do presente (da prisão e condenação do general) se antevia como pouco esperançoso, ir-se-á tornar, na perspectiva de Matilde, um tempo de esperança e de luta eficaz pela liberdade (p. 140), uma quase certeza da mudança que se irá operar.


4. O passado irreal

O passado irreal remete para um tempo imaginado, um tempo do que poderia ter sido e não foi, o que remete para um universo idealizado, de tranquilidade familiar, sonhado por Matilde, que não passa de uma ilusão desesperada e cega, própria de quem tem a consciência de que a realidade jamais poderá corresponder aos seus anseios e sonhos (p. 84). E, nesse sentido, o que se segue é uma profunda angústia e revolta, que a leva, por um lado, a humilhar-se e, por outro, a desafiar a autoridade dos três governadores.

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