quarta-feira, 30 de abril de 2008

Tempo da acção

O tempo da acção reporta-se à duração dos acontecimentos retratados na peça e aparece indicado nas didascálias e/ou falas das personagens.
Os dados sobre o tempo da acção são escassos e podemos concluir que o tempo é concentrado; o objectivo é simples: pretende-se que a história seja intemporal, isto é, seja de qualquer tempo.
Assimilando a lição de Brecht e de Gil Vicente, a passagem do tempo na peça não é linearmente explicitada. As acções sucedem-se, assim como os espaços em que são representadas, reduzidas à sua essência, ou simbologia, não sendo marcado o decurso dos dias.
O tempo narrado não coincide com o tempo da acção, pois a caracterização de Gomes Freire implica referências a momentos importantes da sua vida (por exemplo, as campanhas militares, ou a sua vida em Paris, que são anteriores ao início da acção representada em palco).
A época retratada é a das revoltas liberais: Gomes Freire começa a sua actividade militar em 1782 e é julgado e enforcado como traidor em 18 de Outubro de 1817. O tempo da acção representada é mais curto, pois começa no fim de um dia não determinado – Rita dorme e chegou tarde, às 5 horas (p. 17) ‑, numa altura em que a revolução domina já o quotidiano (pp. 35, 67 e 68) e os governadores preparam a sua repressão com a ajuda dos denunciantes; acaba, como o tempo narrado, na noite de 18 de Outubro de 1817 – única data explicitamente referida, já nas páginas finais –, que marca a execução do general.
No primeiro acto, a acção inicia-se com a alvorada (“São horas de irmos indo, mulher. Lembra-te do que temos de andar.” – p. 17), culminando na detenção de Gomes Freire. Sabemos, posteriormente, pela boca das personagens, que esta aconteceu de noite.
O tempo deste acto é de agitação revolucionária, mas, sobretudo, de preparação da contra-revolução. Depois de uma primeira parte mais lenta, em que é apresentada a situação de miséria do povo e as opções de Vicente e dos outros delatores, o ritmo começa a acelerar progressivamente, assumindo a pressa dos governadores em encontrar um bode expiatório.
A partir daqui, o espaço desloca-se para junto dos governadores e o tempo passa a ser marcado por uma sucessão rápida de entradas e saídas dos denunciantes. Vicente, Andrade Corvo e Morais Sarmento vêm, individualmente, trazer as suas informações, como, aliás, ordena D. Miguel (p. 80). Por entre estas entradas vertiginosas de um denunciante de cada vez e, finalmente, dos três ao mesmo tempo, as referências temporais limitam-se a confirmar a rapidez da contra-revolução: “Há dois dias” (pp. 50 e 68), “Ontem à noite” (p. 60).
Ao mesmo tempo que, através das denúncias, se vai sabendo o que se passa do lado dos conspiradores, os três governadores revelam as suas motivações e definem estratégias de acção. À medida que a situação fica mais definida, a pressa aumenta e o acto vai terminar num ritmo tão alucinante que os discursos dos três governadores incitando à contra-revolução se apresentam em sequência, imediatamente após a tomada de decisão (pp. 73 e 74), sem qualquer indício temporal.

No acto II, surge o tempo da repressão sem limites. A redução dos indícios temporais continua, mas, pelos populares, sabe-se que o acto se inicia na manhã do dia em que prenderam Gomes Freire e os seus companheiros, acto que decorreu na noite anterior (pp. 79 e 80), que a História localiza em 25 de Maio de 1817. Termina com a execução do general, em 18 de Outubro do mesmo ano (p. 129), durante uma noite de luar, consoante as palavras de Matilde: “Esta praga lhe rogo eu, Matilde de Melo, mulher de Gomes Freire d’Andrade, hoje 18 de Outubro de 1817”. A concentração do tempo está de acordo com a pressa com que os revoltosos foram julgados e executados, em vista ao controlo dos possíveis focos de rebelião (p. 55) e também com a ânsia de Matilde em conseguir libertar Gomes Freire.
Embora a falta de indicações temporais possa fazer parecer que o tempo da acção é mais curto do que o tempo histórico, tal não acontece, pois Matilde afirma que Gomes Freire passou 150 dias na masmorra (p. 129), o que, grosso modo, corresponde ao tempo histórico – 147 dias.
Outras indicações de passagem do tempo são-nos dadas por Sousa Falcão (“Só ao fim de seis dias lhe abonaram dinheiro para comer.” – p. 111) e por Matilde (“Há quatro dias que não me deito e que não sinto, na minha, qualquer mão amiga…” (p. ).
O tempo da acção/história prova aquilo que as fontes históricas referem: a organização do processo de condenação e a execução dos conspiradores decorreu de forma muito rápida, não oferecendo qualquer hipótese de defesa aos réus.

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