quinta-feira, 29 de abril de 2010

Simbologia

1. Símbolos religiosos

  • Gomes Freire => Cristo:
    -» o general morre às mãos de um poder político opressivo que se sente ameaçado, de um poder militar estrangeiro (Beresford <-> Pôncio Pilatos) e de um poder religioso reaccionário (principal Sousa <-> fariseus);
    -» ambos são sujeitos a um julgamento fictício e condenados por razões do Estado;
    -» ambos sofrem uma morte indigna: Cristo é cruxificado, castigo próprio dos ladrões; Gomes Freire é enforcado (a morte adequada a um militar era o fuzilamento) e não tem direito a uma sepultura (o corpo é queimado e os restos atirados ao mar - p. 135).

  • Principal Sousa => Judas:
    "... vende Cristo todos os dias, a todas as horas, para o conservar num poder que Ele nunca quis..." (p. 123);
    -» Matilde acusa-o de ser pior do que Judas, porque nem sequer se arrepende: "Judas, que traiu Cristo uma vez, acabou enforcado numa figueira, mas Vossa Reverência, que O trai todos dias, vai acabar entre os seus com todas as honras que neste Reino se concedem a hipócritas e se negam aos justos..." (pp. 128 e 129);
    -» o gesto de desprezo de Matilde (atira-lhe a moeda aos pés) simboliza o pagamento da traição, ou seja, os 30 dinheiros que Judas recebeu por denunciar Cristo.

  • A prisão de Gomes Freire com mais 12 homens:
    -» Jesus Cristo (Gomes Freire) e os 12 apóstolos, excluindo Judas (p. 112);
    -» o n.º 12 representa o ciclo completo (por exemplo, os doze meses do ano);
    -» o n.º 13, que se segue ao 12 (La Palisse), representa a ideia de renovação, isto é, completo um ciclo, tudo se renova e novo ciclo se iniciará. No fundo, estamos perante a esperança de que os treze prisioneiros, a sua prisão e condenação, sirvam como ponto de partida para uma mudança na situação de Portugal.
2. Símbolos cromáticos

  • Verde:
    »» associado à saia de Matilde, oferta de Gomes Freire, representa o amor e a afectividade entre ambos;
    »» tratando-se de uma saia que ela nunca usou, pode querer dizer que o amor de ambos, até ao momento, ainda não foi posto à prova;
    »» a esperança: primeiro, de Matilde, que espera que o companheiro seja libertado; posteriormente, de que a morte do generalnseja a sementa da revolta e da libertação.

  • Vermelho: é o símbolo do princípio fundamental da vida, mas, sendo, paralelamente, a cor do sangue e do fogo, representa a vida e a morte. Representa ainda o sagrado e o secreto, daí que principal Sousa se vista de vermelho. Sendo a cor do fogo, partilha com o sol a capacidade de dar vida e de destruir.

  • Preto:
    * é a cor do desespero e do luto antecipado de Matilde pela morte do general (ela aparece sempre em palco vestida de negro);
    * já o luto de Sousa falcão é por si mesmo, não pelo general, pois não foi capaz de manter as suas convicções e morrer, juntamente com Gomes Freire, em defesa das mesmas ("É por mim que estou de luto, Matilde! Por mim..." - p. 137).
3. Outros símbolos

  • Lua:
    > simboliza a noite, a infelicidade, o mal, o sofrimento, a morte e o castigo;
    > para Manuel, simboliza uma esperança de uma claridade que teima em fugir-lhe (p. 78);
    > para D. Miguel, o luar é um adjuvante, pois permite ver as fogueiras em que ardem os condenados, ou seja, permite visualizar o horror e instalar o medo entre os populares que assistem;
    > representa o tempo que passa e a passagem da vida à morte e da morte à vida (todos os meses, a lua «morre» três dias). É esta noção de renascimento que Matilde encontra na lua: ela permite ver o fim de um ciclo, o fim da noite, das trevas. O seu homem está a morrer, mas essa morte é somente a passagem para um outro estádio da existência (p. 140).


  • Luz:
    > está ligada à fogueira e ao fogo, elemento destruidor e purificador, bem como ao luar e à noite;
    > é a metáfora do conhecimento que permite o progresso, o futuro, logo a neutralização da noite, entendida como símbolo da falta de liberdade, do poder absoluto e opressivo, da injustiça, da ausência de esclarecimento;
    > assim sendo, a luz remete para os valores do futuro: a LIBERDADE, a IGUALDADE, a JUSTIÇA e a FRATERNIDADE;
    > a luz da fogueira, se, por um lado, destrói o corpo de Gomes Freire, por outro, permite que o seu exemplo de coragem, de determinação, de liberdade seja visto por todos que assistem à execução, permitindo que o Bem acabe por triunfar.


  • Fogueira:
    -> simboliza a purificação, a morte da velha ordem, um novo mundo;
    -> por outro lado, na boca do Antigo Soldado e de Manuel, simboliza a opressão e o terror (pp. 80, 109), ideia comungada por D. Miguel Forjaz: "Lisboa há-de cheirar toda a noite a carne assada, Excelência, e o cheiro há-de-lhes ficar na memória durante anos... Sempre que pensarem em discutir as nossas ordens, lembrar-se-ão do cheiro..." (p. 131);
    -> para Matilde, a fogueira possibiltará a tomada de consciência da repressão e transformar-se-á em fonte de revolta e mudança. Assim, Gomes Freire, qual fénix, renascerá das cinzas e será uma lição para o mundo.


  • Título:
    -> tratando-se de uma frase exclamativa, remete para a possibilidade de a frase ter sido pronunciada por alguém;
    -> de facto, esta frase é, primeiro, pronunciada por D. Miguel Forjaz (p. 131) e pretende funcionar como um aviso a todos aqueles que ousem desafiar a ordem estabelecida, portanto como um elemento amedrontador e aterrorizador;
    -> a segunda personagem a proferi-la é Matilde e, neste caso, a frase traduz a esperança que o povo continue a lutar contra a tirania e a injustiça, a partir do exemplo de crueldade (dos governadores) e, em simutâneo, de ousadia e coragem (do general) a que está assistir.


  • Saia verde de Matilde:
    -> associa-se, pela cor, à renovação anual da Natureza e à cor da esperança;
    -> representa a esperança do reencontro depois da morte ou a crença em que aquele amor é imortal;
    -> simboliza a regeneração e o renascimento: "Matilde - Foi para o receber que eu vesti a minha saia verde!" (p. 137);
    -> simboliza o despertar da vida (p. 114);
    -> simboliza, no fundo, a própria VIDA: "Matilde - Olha, meu amor, vesti a saia verde que me compraste em Paris!" (p. 138).


  • Tambores: simbolizam a opressão / a repressão; provocam medo nos pulares que, mal ouvem o seu som, se põem em fuga (pp. 18 e 139): "Símbolo de uma autoridade sempre presente e sempre pronta a interferir".

Espaço psicológico

O espaço psicológico compreende, essencialmente, os sentimentos que as personagens nutrem entre si.

1. Populares:

  • admiração pelo general, em quem depositam toda a sua esperança;

  • tolhidos pelo temor dos governadores.
2. Manuel:

  • infelicidade, pela sua impotência, patente no início dos dois actos), isto é, por nada poder fazer para mudar o rumo dos acontecimentos;

  • grande ternura e carinho pelos pobres e pedintes;

  • antipatia e desprezo pelos polícias e por todos aqueles que estão do lado da injustiça e do poder;

  • grande carinho e amor por Rita;

  • enorme admiração pelo general Gomes Freire de Andrade.
3. Rita:

  • enorme carinho e amor por Manuel, seu marido;

  • grande ternura e solidariedade por Matilde, ao constatar o seu sofrimento pela prisão do general.
4. Antigo Soldado: grande amiração e simpatia por Gomes Freire, que vê como um herói.
5. Vicente:

  • desprezo pelos seus semelhantes (povo) quando se torna chefe da polícia;

  • inveja e sentido de injustiça relativamente aos fidalgos por lhe estar vedado o acesso ao tipo de vida que estes possuem, só porque nasceu pobre.
6. Dois Polícias:
  • antipáticos e rigorosos para com o povo;
  • respeitadores e obedientes aos governadores.
7. D. Miguel Forjaz:
  • profundo ódio por Gomes Freire;
  • dedicação ao rei;
  • misto de respeito e medo relativamente a Beresford.
8. Beresford:
  • sentimento de superioridade relativamente aos outros governadores;
  • ausência de consideração pela vida humana;
  • sistematicamente trocista e irónico relativamente a principal Sousa e a Matilde, quando esta lhe implora a libertação do marido.
9. Principal Sousa:
  • ódio aos franceses, acusando-os de provocarem a revolta entre o povo;
  • sentimento de inferioridade relativamente a Beresford;
  • ódio a Gomes Freire.
10. Andrade Corvo e Morais Sarmento: medo indescritível dos governadores.

11. Frei Diogo de Melo:
  • forte admiração pelo general;
  • crítico dos governadores, nomeadamente principal Sousa.
12. António Sousa Falcão:
  • dedica grande amizade a Matilde e ao general, pela coragem que manifestam;
  • ódio a D. Miguel por este não receber Matilde;
  • desprezo pela sua pessoa (final da peça), ao constatar que não possui a mesma coragem e determinação que o general e por não estar a seu lado na prisão;
  • tristeza por se sentir impotente para alterar o rumo dos acontecimentos.
13. Matilde de Melo:
  • amor e felicidade, ao recordar a intimidade do seu lar, na companhia de Gomes Freire;
  • desânimo e frustração perante a passividade do povo;
  • desprezo pelos governadores;
  • desespero ao constatar que é impossível salvar o general.
14. Gomes Freire de Andrade:
  • objecto da admiração e da esperança do povo;
  • odiado pelos governadores, que desejam ver-se livres de si.

Espaço social

1. Lisboa:

  • centro e símbolo de Portugal;
  • capital do reino, onde está instalado o governo e onde se inicia a revolta popular, que só posteriormente se alarga à província (pp. 55 e 64);
  • espaço de contrastes, que permite o confronto claro entre o poder e o povo;
  • cidade do descontentamento e das fogueiras (lembrando os autos-de-fé);
  • espaço de opressão, delação, injustiça, violência...

  • Rua:
    -» espaço mais adequado para revelar o homem nas suas relações sociais (segundo Brecht);
    -» por isso, o cenário não apresenta uma rua definida, específica, mas somente os objectos que indiciam a miséria popular (pp. 16 e 18);
    -» espelho do quotidiano do povo oprimido;
    -» palco da vida dos pobres, dos pedintes, dos injustiçados, dos que lutam ingloriamente pela justiça e pela liberdade, em suma, do povo andrajoso, miserável, uma multidão de aleijados e doentes;
    -» miséria, opressão, injustiça...;
    -» impotência popular perante o decurso dos acontecimentos, nomeadamente a prisão de Gomes Freire (início do acto II);


  • Baixa:
    -» sede da Regência (espaço interior);
    -» as três cadeiras pesadas e ricas e com aparência de tronos (p. 47) simbolizam as três faces do poder (D. Miguel -> poder civil; Beresford -> poder militar; principal Sousa -> poder religioso), bem como a opulência e a riqueza dos governadores, que contrastam com a miséria do povo;
    -» a indumentária que envergam traduz a riqueza, o luxo e a ostentação dos poderosos;
    -» o criado de libré e as suas atitudes traduzem a sua dependência relativamente ao patrão e a absorção das regras das camadas mais elevadas da sociedade (daí o distanciamento e o desprezo com que ele se dirige a Matilde).


  • Rato:
    -» casa de Gomes Freire e de Matilde;
    -» a cadeira tosca onde se senta Matilde (p. 83), contrastante com as três cadeiras dos governantes, reflecte a falta de recursos económicos do casal e a sua dependência socioeconómica.

  • Loja maçónica da Rua de S. Bento e botequim do Marrare: locais que assumem dimensão política revolucionária.

  • : traduz também a miséria popular (lugar onde o povo pedia esmola: "Na Páscoa, à porta da Sé, fiz o bastante para comer durante três dias..." - p. 100).

  • Tejo: local onde Manuel faz a "descarga das barcaças".

  • S. Julião da Barra (espaço oito vezes referenciado entre as pp. 126 e 129):
    -» a prisão de Gomes Freire;
    -» as condições desumanas e indignas em que se encontra preso o general.

  • Serra de Santo António: local de onde se avista S. Julião da Barra.

  • Campo de Sant'Ana (pp. 131 e 137): local das execuções dos presos.