segunda-feira, 28 de abril de 2008

Beresford

William Carr Beresford é a figura que, na peça, encarna o terceiro pilar do Poder: o militar. Ele, no fundo, representa o domínio britânico exercido em Portugal, na sequência das invasões francesas e da fuga da família real portuguesa para o Brasil.
Apesar das funções que desempenha junto do exército lusitano, despreza Portugal, que considera um país insignificante e provinciano, "um país de intrigas e de traições". De facto, ele assume uma posição arrogante e de manifesta superioridade, pois considera-se originário de "(...) uma terra onde as leis são humanas, as pessoas cultas e a vida cheia de sentido..."; ou seja, Portugal seria um país prenhe de desumanidade, de ignorância e vida(s) sem sentido.

De igual forma, antipatiza com o catolicismo caduco e com o exercício incompetente do poder, sendo o seu alvo preferencial o principal Sousa, com quem é constantemente sarcástico, trocista, mordaz, jocoso, irónico e profundamente crítico. Outro dos seus alvos são as instituições portuguesas: por exemplo, considera o exército pindérico (o que dizia Eça n'Os Maias?) e despreza a Igreja e o próprio rei.


Não é, por isso, de estranhar que adopte uma atitude de algum distanciamento crítico e irónico perante a trama que se está a preparar em torno do general Gomes Freire. No entanto, não deixa de se unir a D. Miguel e a principal Sousa, apenas para manter o seu lugar, aumentar o seu poder dentro do exército e assegurar o futuro. Odeia, também, o general e assume o seu processo por motivos individuais: manutenção do posto de marechal e da tença anual.

Por tudo isto, temos de o considerar uma figura calculista, perspicaz, prática, objectiva, materialista e profundamente ambiciosa, além de hipócrita e cínica. No fundo, é um mero mercenário e não tem qualquer rebuço em o admitir: "Pretendo uma única coisa de vós: que me pagueis - e bem!" - p. 58.

No diálogo que mantém com Matilde, vem à tona o seu carácter egoísta, frio e insensível, respondendo-lhe de forma trocista, irónica e arrogante.

É, tal como D. Miguel Forjaz, um ser maquiavélico, para quem, portanto, os fins justificam os meios: a condenação de um inocente para conservar o seu poder, a sua tença, o seu prestígio, em suma, os seus privilégios.

D. Miguel

D. Miguel Forjaz representa a nobreza e um dos três ramos do Poder representados na peça: o poder civil.

É uma figura cujo retrato é marcadamente disfórico:
  • é prepotente e sectário;
  • é absolutista;
  • é profundamente religioso;
  • reaccionário, não aceita as ideias de liberdade personificadas pelo general Gomes Freire;
  • primo do general, odeia-o porque põe em causa o seu poder e por lhe reconhecer qualidades que ele próprio não possui;
  • sentindo-se ameaçado pelas novas ideias e pelo ambiente revolucionário, executa um plano ardiloso para forjar a condenação de Gomes Freire;
  • é maquiavélico (os fins justificam os meios -> O Príncipe Perfeito, de Maquiavel) e corrupto, pois «compra» os denunciantes;
  • manipulador e estratega, recorre a argumentos convincentes para alcançar os seus objectivos: descreve Gomes Freire como um soldado brilhante, um homem inteligente e um herói do povo para convencer Beresford, que receia perder o seu posto e a sua tença; recorda que o general é grão-mestre da Maçonaria e estrangeirado no sentido de persuadir principal Sousa;
  • é, porém, medroso ("Repugna-me a acção, estaria politicamente liquidado se tivesse de discutir as minhas ordens..."), constituindo o oposto do primo ("É frio, desumano e calculista. Odeia Gomes Freire (...) é a personificação da mediocridade consciente e rancorosa.");
  • é desumano, cruel e vingativo ("Lisboa há-de cheirar toda a noite a carne assada. (...) o cheiro há-de-lhes ficar na memória durante muitos anos (...)").


Em suma, D. Miguel constitui o protótipo do pequeno tirano, inseguro e prepotente, contrário ao progresso e à mudança, insensível à miséria e à injustiça. A sua retórica é oca, desprovida de conteúdo e demagógica. A sua visão de um Portugal "próspero e feliz, com um povo simples, bom e confiante, que viva lavrando e defendendo a terra, com os olhos postos no Senhor" é o retrato do Portugal salazarento da década de sessenta do século passado.


D. Miguel, simultaneamente megalómano e prepotente e cobarde e calculista, desprovido de integridade e corrupto, simboliza um país em acentuada decadência, minado pela corrupção e pelo desejo de encontrar um culpado que sirva de exemplo para todos aqueles que procuram a revolução, a mudança de status quo.

Desumano, profundamente ambicioso e egoísta, defende a separação de classes sociais, uma espécie de castas: "Não concebo a vida, Excelências, desde que o taberneiro da esquina possa discutir a opinião d'el-rei, nem me seria possível viver desde que a minha opinião valesse tanto como a de um arruaceiro. Pergunto-vos, senhores: que créditos, que honras, que posições seriam as nossas, se ao povo fosse dado escolher os seus chefes?".

O pós... 25 de Abril

Antero Valério