sexta-feira, 30 de abril de 2010

Gomes Freire de Andrade

Embora nunca apareça em cena, Gomes Freire de Andrade - amado pelo povo e odiado pelos governadores - é a personagem central e constitui o elemento estruturador da acção:
  • origina a sequência de episódios da peça;
  • é o símbolo da luta pela Liberdade e pela Justiça;
  • atrai a admiração e a esperança do povo miserávei e oprimido;
  • atrai, por outro lado, a desconfiança e o ódio dos governantes;
  • a sua prisão, condenação e execução constituem o centro das conversas e condicionam o comportamento das restantes personagens.

Apesar de estar fisicamente ausente, domina os pensamentos e preocupações das outras figuras, por isso o seu retrato é traçado a partir do que elas nos dão a conhecer sobre ele.

1. Para o POVO (populares, Antigo Soldado, Manuel, Rita...):
  • é considerado um mito - é mitificado;
  • representa a liberdade;
  • é um amigo, «um homem às direitas»;
  • é humano e corajoso («Não é um santo, é um homem como todos nós.»);
  • é o único capaz de enfrentar «os senhores do Rossio».

2. Para VICENTE:
  • é um general como os outros, que se serve do povo quando dele necessita e depois o abandona à sua sorte;
  • é um estrangeirado;
  • é idolatrado pelo povo.

3. D. Miguel:
  • considera-o lúcido, inteligente, idolatrado pelo povo, um soldado brilhante, grão-mestre da Maçonaria e um estrangeirado (pág. 17);
  • considera-o um traidor, daí a necessidade da sua morte: «Morte ao traidor Gomes Freire d'Andrade!» (pág. 74);
  • consciente de que não possui a capacidade de comunicação do primo, receia que este ponha em causa o seu lugar na regência e lhe retire a sua projecção como estadista;
  • considera-o um «inimigo natural desta regência.» (pág. 71);
  • considera-o incómodo já que «... devendo, por nascimento e posição, defender certos interesses, defende outros...» (pág. 96).

4. Para Beresford:
  • é seu inimigo, pois receia ser substituído por ele e, assim, perder os privilégios de que disfruta, entre os quais se conta a exorbitante tença que recebe por comandar o exército;
  • «Trata-se de um inimigo natural desta regência.» (pág. 71);
  • é incómodo porque «... devendo, por nascimento e posição, defender certos interesses, defende outros...» (pág. 96).

5. Principal Sousa:
  • odeia os franceses, os maçons, porque os considera responsáveis pela falta de respeito a Deus e à Igreja [«São muitos os inimigos do Senhor (...). Fala-se de Deus com ironia e da sua Igreja como se de letra mrota se tratasse. Os piores, Srs. Governadores, são os pedreiros-livres (...) Quem será o chefe da Maçonaria?» - pág. 67]. Por ser considerado estrangeirado, Gomes Freire de Andrade representa os franceses, cuja influência faz com que o povo cante «... pelas ruas subservivas.» (pág. 40).
6. Para Matilde:
  • constitui uma ameaça ao Poder, mesmo que não tenha sido conspirador: «Olhe que nem saía de casa com medo que o povo o aclamasse. Juro-lhe que nunca conspirou.» (pág. 95);
  • é o seu homem;
  • é o paradigma da honestidade, da verdade, da lealdade: «(...) dizem a verdade (...) vêem para além da cortina de hipocrisia com que os poderosos escondem a defesa dos seus interesses...» (pág. 95);
  • não é ambicioso nem adulador: «Vê para além das medalhas que usais no peito...» (pág. 96);
  • é ousado, corajoso e destemido: «... olha para vós de frente e sorri...» (pág. 96);
  • é valente, justo e leal;
  • está inocente do crime que lhe procuram imputar: conspirar contra o Poder («... ele não cometeu qualquer crime.» - pág. 95).
7. Para Sousa Falcão:
  • é o oposto de D. Miguel Forjaz: «É franco, aberto e leal...» (pág. 117) e sabe perdoar, ao contrário do primo, «calculista e medíocre»;
  • é um homem corajoso, o exemplo da luta por um ideal, um daqueles «... homens que obrigam todos os outros homens a reverem-se por dentro...» (pág. 137).
8. Para Frei Diogo:
  • é um santo: «Se há santos, Gomes Freire é um deles...» (pág. 126);
  • «Foi um grande privilégio que Deus lhe concedeu - o de viver ao lado dum homem como o general Gomes Freire.» (pág. 127).
Em suma, o general Gomes Freire de Andrade é apresentado como:
  • um homem culto, educado e letrado (um estrangeirado");
  • o símbolo da luta pela liberdade e pela defesa dos ideais contrários à prática dos "reis do Rossio";
  • o símbolo da modernidade e do progresso, adepto das novas ideias liberais, por isso considerado pelos governantes subversivo e perigoso, daí que preencha todos os requisitos para ser o bode expiatório do ambiente de revolta;
  • símbolo da integridade e da recusa da subserviência, da capacidade de liberança e de coragem na defesa dos ideais em que crê;
  • culpado (pelos detentores do poder) porque "... é lúcido, é inteligente, é idolatrado pelo povo, é um soldado brilhante, é grão-mestre da Maçonaria e é, senhores, um estrangeirado..." (p. 71);
  • um homem cuja morte remete para a manutenção de uma ideologia fossilizada, num país estagnado e assolado pelo medo, pela denúncia e pela suspeição (p. 63);
  • um homem cuja morte é duplamente aviltante enquanto militar, pois é enforcado e depois queimado, quando a sentenção adequada para ele na qualidade de elemento do exército seria o fuzilamento; por outro lado, a morte pretende ser uma lição para todos aqueles que ousarem afrontar o poder político.

Sem comentários: