sexta-feira, 9 de abril de 2010

Populares

O povo / os populares configura(m) uma personagem colectiva relevante na peça, como não poderia deixar de acontecer.
O povo não possui qualquer poder nem um líder - embora deposite enormes esperanças no general -, o que faz com que surja na peça oprimido e completamente indefeso.
O seu espaço privilegiado é a rua, retrato da sua miséria - fome, desemprego, ausência de habitação condigna ["Tens sete filhos com fome e com frio e vais para casa com as mãos a abanar. (...) E tu, qu enão comes desde ontem (...) Nenhum de vocês tem um tecto que os abrigue no Inverno, nenhum de vocês tem onde cair morto (...)"] -, da ignorância, da opressão e do terror, da desilusão e ausência de perspectivas.
Não obstante, o povo tem um grande sentido de justiça e de dignidade e uma elevada consciência. À semelhança do que sucede com Manuel, vê no general Gomes Freire o libertador da opressão, do medo e da miséria em que vive, daí não ser de estranhar o desespero e a desilusão que o assalta quando toma conhecimento da sua prisão e posterior condenação à morte.

Por outro lado, esta personagem desempenha diferentes funções ao longo da peça:
  1. Coro, dado que as suas falas têm o valor de informação ou comentário dos acontecimentos;
  2. Inicia os dois actos, estabelecendo, no I, a ligação entre a acção e o espectador e relatando, no II, a prisão de Gomes Freire e o desespero de Matilde;
  3. Situa o espectador no tempo histórico, através das suas interrogações ("Onde aprendeu vocessemecê isso? Em Campo d'Ourique - já lá vão dez anos..." - pág. 18);
  4. No acto II, as falas populares revestem o carácter de informação / comentário sobre os episódios ao nível da acção dramática: "Passaram toda a noite a prender gente por essa cidade..."; "É por pouco tempo, amigo, espera pelo clarão das fogueiras..." (pág. 80).
Em suma, o povo é uma personagem colectiva que representa o «grupo dos deserdados pela sorte e pelo berço», dos que servem e são explorados, que recebem esmola e são tratados indignamente pela classe dominante, que trabalham e são explorados.

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