sábado, 17 de abril de 2010

Beresford

Se D. Miguel personificava o poder civil, William Beresford representa o domínio britânico e o poder militar.
Esta é uma personagem que, desde logo, manifesta o seu desprezo por Portugal, que considera um país insignificante e provinciano, «um país de intrigas e de traições», «factos» que as figuras dos restantes governadores e dos delatores (Vicente, Andrade Corvo e Morais Sarmento) exemplificam. Não é, pois, de estranhar que assuma, sistematicamente, uma postura de arrogância e de superioridade relativamente ao reino e às suas gentes, contrapondo a sua terra natal, uma «terra onde as leis são humanas, as pessoas cultas e a vida cheia de sentido».
Dois dos traços característicos de Portugal com que mais antipatiza são o catolicismo caduco e o exercício incompetente do poder, mostrando-se, nos diálogos que trava com Principal Sousa, sistematicamente, sarcástico, irónico, jocoso, zombador, mordaz, trocista e profundamente crítico quer com o país, quer com as suas instituições. Atente-se, por exemplo, nas opiniões que manifesta sobre o exército (considera-o pindérico), o Rei e a Igreja, que despreza.
Relativamente à trama urdida em torno da figura de Gomes Freire, procura patentear uma atitude de distanciamento crítico e irónico, embora nela colabore, o que permite antecipar a sua face hipócrita, unindo-se a D. Miguel e a Principal Sousa, no sentido de conservar o seu posto de marechal no exército e a tença anual que lhe é paga para o comandar, e embora, tal como D. Miguel, odeie o general, pelos motivos acima referenciados.
As suas intervenções, nos diálogos travados com as demais personagens, denunciam um homem calculista, perspicaz, prático, objectivo, materialista e ambicioso, um mercenário, em suma: «Pretendo uma coisa de vós: que me pagueis - e bem!» (pág. 58). Já o diálogo mantido com Matilde retrata-nos um Beresford egoísta, insensível e frio, que não se deixa comover pelas súplicas desesperadas da companheira do general; pelo contrário, uso com ela uma linguagem trocista, irónica e arrogante, que se destina a agredi-la moralmente e a humilhá-la.
À semelhança de D. Miguel, Beresford apresenta-se como uma personagem maquiavélica, ou seja, alguém para quem os fins justificam os meios. Dito de outro forma, a condenação de Gomes Freire - a condenação de um inocente - almeja a conservação do seu poder, da sua tença, do seu prestígio e dos seus privilégios.

Sem comentários: