segunda-feira, 24 de março de 2008

10.4.2. Plano da História de Portugal

A História de Portugal, exposta em discursos (de Vasco da Gama ao rei de Melinde e de Paulo da Gama ao Catual, para a história passada em relação à viagem – 1498) e em profecias (de Júpiter, do Adamastor, da ninfa Sirena e de Tétis, em relação à historia futura no que diz respeito à viagem), não tem uma unidade intrínseca.
Uma parte dessa história é dada em sequência cronológica e consta do discurso de Vasco da Gama ao rei de Melinde. Outra parte é dada em quadros soltos, como são as pinturas (“bandeiras”) que Paulo da Gama explica ao Catual, ou as profecias.
Esta sensação de descontinuidade é agravada pelo facto de os feitos serem, na maior parte, proezas individuais de guerreiros, faltando um ser colectivo de que os indivíduos sejam formas transitórias (cf. Fernão Lopes, Crónica de D. João I). O “peito ilustre lusitano” é uma abstracção incapaz de encarnar as proezas sucessivas dos guerreiros. Há alguns belos momentos (a batalha do Salado, a fala da Formosíssima Maria, a batalha de Aljubarrota, o episódio de Inês de Castro, as sínteses de Tétis), mas são conjuntos soltos, contíguos a outros momentos. Não se vê formar-se uma nação, e a ideia de pátria resulta uma noção abstracta: está nos sentimentos do poeta e não nos factos que narra. Não existe uma acção de conjunto nem heróis, que se encontram reduzidos a puras abstracções. Afonso Henriques, Nuno Alvares Pereira, D. João I, Duarte Pacheco, D. Fuas Roupinho ou Geraldo Sem Pavor não têm caracterização própria, não são personalidades diferenciadas, como são, por exemplo, Aquiles e Ulisses, heróis da Ilíada e da Odisseia.
Por outro lado, a sequência das batalhas e dos guerreiros, passados ou futuros, é dada em discursos e obedece às regras da oratória: ora é uma sequência cronológica (Vasco da Gama), ora uma selecção de profecias (Júpiter, no canto II, para consolar Vénus, prevê alguns triunfos; no canto V, Adamastor antecipa alguns casos trágicos como castigo pelo atrevimentos dos portugueses; no canto IX, Tétis profetiza as guerras no Oriente).
Ora, em certo sentido, a oratória é o contrário da epopeia. Na oratória, só tem vida própria o orador, personagem única, em face do público; na epopeia, pelo contrário, como no romance, o autor despersonaliza-se em benefício das personagens, sendo nestas que reside a vida.
Desta forma, a narração da Historia de Portugal e dos feitos dos portugueses é caracterizada pela ausência de uma acção de conjunto; são quadros que se sucedem cronologicamente, mas que não revelam uma ideia de conjunto.

O plano da História de Portugal que a obra apresenta é o seguinte:
  • Em Melinde, Vasco da Gama narra ao rei os acontecimentos de toda a nossa história, desde Viriato ao reinado de D. Manuel I;
  • Em Calecut, Paulo da Gama apresenta ao Catual episódios e personagens representados nas bandeiras;
  • A história posterior à viagem é narrada através de profecias:
    - Júpiter profetiza “feitos ilustres” no Oriente e vitórias tão retumbantes que causarão inveja a Marte (II, 44-45);
    - o sonho profético de D. Manuel: dois velhos (rios Indo e Ganges) vaticinam a chegada à Índia por mar no seu reinado (IV, 66-75);
    - Adamastor profetiza “ventos e tormentas desmedidas”, “naufrágios e perdições” para a gente que profanou o seu mar. Refere-se a D. Francisco de Almeida, por exemplo (V, 42-48);
    - a ninfa Sirena descreve as glórias futuras dos portugueses no Oriente (X, 10-74);
    - Tétis aponta os lugares onde os portugueses hão-de realizar grandes feitos e atingir a imortalidade.

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